por M. Deméter
Mais um post com o tema do Céu Literário. O tema agora é silêncio.
Agradeço aos comentários e quem gosta dos contos, fique a vontade pra seguir o blog, estou me esforçando para fazer posts semanais agora. (:
Obrigada.
Estou afundando
nesse silêncio
Silence – Sarah Mclachlain
“Os
olhos dela refletiam todas aquelas cores que preenchiam o mundo.” – foi o que
passou em minha mente a primeira vez que a vi depois de tudo.
No
começo não ousei me aproximar, ela parecia nervosa demais para me perceber ali
parado, observando. E eu não queria que o fizesse. Não estava preparado para
aquele contato, não saberia como reagir, como assimilar o que ela falaria.
Contudo,
ao mesmo tempo, sentia sua falta. Foram longos os dias no hospital sem suas
visitas. Visitas que eu mesmo implorei que ela não fizesse. Aquele era um
momento apenas meu.
Eu
fora internado alguns dias antes para uma cirurgia que poderia me deixar viver
por muitos anos, mas que ao mesmo tempo seria responsável por me fazer
mergulhar num mundo totalmente silencioso.
—
É preciso dissecar seu tumor, a cirurgia pode causar efeitos colaterais graves,
já que ele está localizado na região responsável pela audição. – foi o que o
médico explicara.
Eu
havia descoberto um tumor no cérebro, não era muito grande, mas estava numa
região complicada, segundo o
neurologista. Segui o conselho do doutor, e exatamente como ele explicou, houve
danos colaterais.
Acordei
sem escutar absolutamente nada.
O
mundo parecia estar no mute, como se
o problema não fosse com minha audição, mas sim com os sons. Senti que eram
eles que não queriam se pronunciar ao meu redor, e não meus ouvidos que não
conseguiam escutá-los.
E
agora lá estava eu, em vez de me preocupar com todos os anos que eu teria para
viver, com toda a dificuldade que teria para aprender a conviver com aquele
silêncio interminável. Preocupava-me apenas com ela, e em como ela encararia
aquilo, em como conseguiria conviver com aquilo.
Não
suportaria perdê-la também, não depois de perder os sons.
Entretanto,
eu entenderia caso assim sucedesse, afinal, ninguém é obrigado a conviver com
isso, a não ser, é claro, o próprio portador da deficiência.
O
braço dela foi até o rosto, mexeu numa mecha do cabelo escuro. Notei suas
pernas revezando no apoio do corpo, dobrava um joelho, esticava o outro.
Trocava alguns segundos depois. Não contive o riso – riso sem som, apenas uma
vibração por dentro da garganta – ao perceber tal ato, nunca havia reparado
antes.
Era
realmente como diziam, todos os outros sentidos ficavam apurados com a falta de
um? Não exatamente, acredito que até ficariam, mas só depois de algum tempo. A
diferença era que agora eu não prestava mais atenção aos sons e então, à distância,
tudo que sobrava era a visão.
Porém,
fosse pela percepção visual, fosse pela auditiva, ela finalmente olhou em minha
direção. Olhou e viu.
Senti
minhas mãos geladas.
Percebi
a mudança de expressão em seu rosto. Os lábios se contraíram num primeiro
momento, para depois se tornarem um sorriso não tão natural. Os olhos
percorreram o espaço ao redor, mais uma vez roubando todas as cores do mundo
para dentro deles, e mandando-as de volta através do reflexo.
Aqueles
olhos eram fascinantes, muito mais do que eu havia reparado antes. Tão vivos. Tão
cheios de cor.
As
pernas tomaram um rumo, seguindo o caminho que levariam até mim. Meus olhos
percorreram sua pele até os pés: ela estava de salto. Era estranho não ouvir o toc toc familiar que eles faziam ao
tocar o solo.
Era
estranho não ouvir o vento que balançava sua saia e seus cabelos. Era estranho
que as cores chamassem tanta atenção e que os detalhes de sua movimentação
fossem tão perceptíveis.
Ela
me abraçou. Sua pele estava agradável, nem muito quente, nem muito fria.
Combinava bem com meus dedos gelados. Apertou seu corpo conta o meu e pude
sentir uma lágrima molhando meu pescoço.
Afastou
o corpo um instante depois e abriu um sorriso.
Percebi
um movimento em seu tórax, achei que era uma daquelas inspirações fundas,
seguidas de um suspiro que não podia ouvir. O braço subiu mais uma vez
arrumando uma mecha de cabelo para trás da orelha.
Parou
com as mãos na altura do peito.
“Eu
te amo.” – seus gestos me disseram, enquanto uma lágrima escapava dos olhos. – “Para
sempre.”
Quase
consegui ouvir sua voz pronunciando aquelas palavras. Quase.
Eu
não a perdera afinal.
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