Texto escrito (um pouco atrasado) para o tema de agosto do Céu Literário: Países (cidade, lugares, culturas, qualquer coisa relacionado)
—
Queria ser um mapa. – Dorian comentou depois de alguns segundos divagando em
seus próprios pensamentos.
Ela
já esperava por uma pontuação sem sentido aparente, mas conhecia-o bem para
saber que na verdade tudo teria um sentido se ele pudesse explicar.
—
Por quê? – perguntou enfim.
—
Agatha, entre todos, imaginei que você pudesse me compreender.
—
Acertou. Eu posso. Tanto posso que pergunto: Por quê?
Dorian
passou os dedos enrugados pelos fios de cabelo grisalhos e devolveu a mão ao
remo antes de responder.
—
Ora, pois mapas são as coisas mais confiáveis que existem. Repare que eles
sempre te levam ao seu destino e, se não levarem, a culpa nunca é deles, mas
sim dos que não o seguiram corretamente, ou dos que passaram instruções
incorretas sobre o destino final.
“Portanto,
queria sim ser um mapa, assim todos acreditariam em mim.”
Ela
moveu sua sombrinha cheia de rendas de um lado para o outro do corpo,
aproveitando o momento para apreciar aquele que permanecia a sua frente. Dorian
sempre fora um homem incrível, a beleza não era seu forte, mas sim o
pensamento. E ainda assim, ela o amava independente do corpo, amava a alma.
—
De que adiantaria confiarem em você, querido? – suspirou resignada.
—
Adiantaria que acreditariam também em você.
—
E de que adiantaria que acreditassem em mim? Ainda assim eles não poderiam me
ver.
—
Talvez pudessem, talvez você seja como as fadas, que quando não são acreditadas,
morrem.
Agatha
pensou por um momento, apreciando a vista da cidade que passava lentamente
conforme o movimento dos remos os levava para outro ponto do canal.
—
Talvez. Mas então eu teria que partir.
—
Por quê? – foi a vez dele de perguntar, surpreso.
—
Olhe ao seu redor, Dorian.
Ele
olhou. Veneza passava por eles lentamente, as casas apertadas para abrigar a
todos os turistas, os barcos amarrados na margem do canal e um ou outro vagando
no caminho contrário ao deles.
—
Sempre achei Veneza um lugar incrível.
—
E muito romântico, não é? Lembro quando me contou que queria passar nossa lua
de mel aqui. – ela sorriu com a lembrança. – Faz tanto tempo.
—
Faz, mas a cidade parece que parou no tempo.
—
Você chegou ao ponto principal. Mais que romântica, Veneza é uma cidade
assombrada, condenada aos seus próprios fantasmas. Afinal, uma cidade que
parece parada no tempo na verdade é apenas uma cidade cheia de fantasmas.
A
torre de uma igreja começou a aparecer no horizonte, com sua cruz alta
indicando o caminho até a construção e prendendo os olhos de quem nunca havia
visto aquele monumento.
—
E nem todos os fantasmas querem ser acreditados e vistos, Dorian.
—
Você não quer?
—
Não acredito que eles poderiam me ver, estou aqui só por você.
Ele
suspendeu os remos e colocou-os presos onde pudesse soltar sem que caíssem.
Levantou-se e sentou-se no banco da frente, um mais próximo a ela.
Agatha
percebeu o movimento e fez o mesmo, buscando equilibrar o peso do barco com seu
corpo na verdade sem peso algum. Fechou a sombrinha vinho e deixou-a repousar
sobre a saia de seu vestido de mesma cor.
—
Estou aqui apenas esperando por você, querido. – a voz dela era jovem, assim
como a aparência, contrastando com a dele que era já cheia de marcas da idade.
Dorian
levantou sua mão e levou-a até os fios negros do cabelo de sua companheira.
Tentou tocá-los sem sucesso, lembrando-se de como sentia falta de tocar suas
madeixas macias. Deixou escapar uma lágrima por entre suas pálpebras.
Agatha,
por sua vez, apreensiva com o movimento, tocou seu cabelo, enrolando-o e jogando
para trás. Sorriu para ele e inclinou-se na direção do marido.
—
Todos me chamam de louco, meu amor.
—
Desista de tentar convencê-los, estou aqui apenas para você, não para os
outros. Ninguém precisa de fantasmas, mas eles terão os deles quando chegar o
momento.
O
senhor enxugou a lágrima que antes havia caído e em seguida levou a mão ao
peito. Tentando esconder a expressão de dor que passou por sua face no mesmo
instante.
—
Qual o problema? – ela perguntou preocupada.
—
Acho que finalmente estou perto de beijá-la de novo. – ele riu, ainda com a mão
no peito.
Agatha
aproximou-se ainda mais, deixando seus dedos ao redor dos dele. Conseguiu
sentir um calor se dissipando e o corpo dele quase sólido para o seu. Tocou-lhe
o rosto, emocionada com a percepção de suas rugas.
Ele
deixou o sorriso firmar-se em seu rosto, tirou a mão do peito e levou até o
rosto dela, quase sentindo seus fios por trás do pescoço.
—
Espere por mim apenas um pouco mais, Agatha.
—
O tempo que for preciso.
Dorian
tocou-lhe os lábios pálidos antes de fechar os olhos para sempre. Finalmente
poderia voltar para sua querida Agatha e compartilharem sua própria Veneza.
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