sexta-feira, 5 de julho de 2013

Filhos do Pecado


Olá, leitores. (:
Eu já havia comentado com algumas pessoas que estava querendo fazer mais um conto para o desafio Decadência do Anjo. Tentei fazer algo bem diferente do romance de sempre, por isso, mais do que nunca quero saber o que acharam. 
Fazia tempo que estava com vontade de fazer uma coisa mais suspense e violência (culpa de Dexter e do Carlos Ruiz Zafón isso ai, recomendo a série e o autor pra todo mundo) e preciso agradecer muitíssimo ao meu amigo Felipe Trevisan: coisongo, acho que não ia conseguir terminar isso sem seu incentivo, sério, obrigadão <3.
Enfim, fiquei falante demais nesse post. Espero que gostem. (:


I don’t ever want to let you down
(...)
‘Cause after all
This city never sleeps at night
It’s Time – Imagine Dragons

— Você sabe que precisa fazê-lo, não é questão de querer ou não. – a voz soou irritada.
— Sei, Leah. – a resposta foi um tanto frágil.

A mulher não se deu ao trabalho de responder mais uma vez. Não importava quem faria o serviço, só importava que precisasse ser realizado. Sendo como forma de entrar, sair ou permanecer, não fazia a menor diferença. Importava-se ainda menos que ele o fizesse para impressioná-la: sabia que sim, mas – mesmo que quisesse – não trocaria o líder por aquele reles novato.

— Sabe que jamais a decepcionaria. – admitiu, suplicando por atenção.
— Palavras, Conan. – continuou indiferente. – Fique quieto antes que chame atenção de alguém, vamos terminar logo com isso.

Ele se calou diante daquela ordem, acatando as regras mais uma vez. Nos instantes seguintes tudo que ouviram foram os passos na calçada e a chuva respingando sobre seus sapatos quase silenciosos.
A água dominava a noite mais uma vez, encharcando a cidade já há mais de uma semana. Água essa que tornava tudo mais fácil para aqueles dois indivíduos: encobria a aproximação, silenciaria a ação e limparia a reação.

— Cuidado – cochichou Leah. – Ela deve estar na próxima esquina.

Conan apenas aquiesceu, não daria chances para ser humilhado mais uma vez. Faria sua missão sem atrapalhar a mulher, mesmo que se arrependesse depois. Aquele era seu desejo – ou seria apenas ela? – e mataria para conquistá-lo, para ter aquela chance.
Os dois continuaram caminhando, agora mais devagar, pisando com cuidado nas poças que estavam quase permanentes no chão frio. Viraram a esquina e não foi difícil ver o vulto magro se definindo entre a escuridão e as luzes da rua. Sombra sobre sombra.
O vento que acompanhava a chuva durante toda a noite fazia com que o cabelo da garota balançasse raivoso, quase como um chicote, provavelmente até mesmo machucando sua face. Ela vestia um sobretudo para proteger-se do frio.
Frio. Pelo menos dele a garota sem nome tinha a chance de se defender.
Leah parou, virou o rosto por um breve momento, lançando um olhar ameaçador sobre Conan. Ele sabia muito bem o que aquilo significava, não teria outra chance se arruinasse o ato pela segunda vez – tentara entrar no grupo dos líderes da cidade uma vez, mas não conseguira cumprir o ritual e ganhara uma segunda chance apenas pela reputação de sua família, que era muito respeitada na sociedade do crime.
A garota sem nome não fora o alvo da outra vez, mas era ainda mais importante que o anterior. Sem nome... na verdade aquilo era apenas o que ele gostava de pensar, com medo de que saber o nome dela o fizesse recuar na hora de concluir o trabalho.
Ele afastou-se para dar a volta no quarteirão, como já haviam planejado. Não gostava da ideia de se afastar de Leah, não quando na verdade fazia tudo apenas para poder ficar junto dela. Além disso, a culpa conseguia atingi-lo ainda mais quando se mantinha sozinho naquela cidade fria e ao mesmo tempo tão viva.
Vida essa que por sua culpa iria diminuir ainda aquela noite.
Não se deixou perder em pensamentos. Focou em sua missão. Focou ainda mais no motivo de fazê-la. Conhecia muito bem a lenda das atitudes de Leah depois de terminar os serviços. Até mesmo o líder sabia e nem mesmo ele ousava interferir.
Conan pagaria o custo que fosse para tirar a prova.
Chegou finalmente por trás da garota sem nome. O equipamento preparado. Visualizou a companheira à espreita, aguardando. Aproximou-se rapidamente da anônima, prendendo-a com facilidade em seus braços muito mais fortes, bloqueando suas vias aéreas até que ela perdesse o sentido.
Leah se aproximou e ergueu logo as pernas da garota, guiando-os para o beco ao lado, no qual não havia risco de ninguém contemplar a ação. Os fios de cabelo que antes chicoteavam a face da garota agora eram arrastados no chão com o peso da água que escorria sobre as madeixas.

— Você deve fazê-lo.
— Eu sei, Leah! – dessa vez sua resposta foi um tanto desesperada.

Depositaram o corpo desacordado no chão, deitando-o sobre uma cama de água gelada. As pálpebras da garota sem nome tremeram. O frio a faria acordar logo.
Conan sentou-se ao lado dela, a faca em mãos, apenas aguardado que aqueles olhos se abrissem. Leah, porém, não era tão paciente. Aproximou-se, agarrou o rosto da garota e esfregou-o no chão irregular. A resposta veio num grito.

— Até que enfim, meretriz preguiçosa. – sibilou irritada.
— Leah, por favor. – ele pediu nervoso.

A anônima tentou levantar e foi bloqueada pelos braços do homem mais uma vez. Esperneou, tentou mordê-lo e gritou. Sem sucesso. A companheira agora se acomodou sentada sobre o corpo da sem nome, encarando o rosto vermelho da garota que olhava aflita.

— Faça de uma vez se não quer que eu interfira. – praguejou com as mãos no rosto do rapaz, os lábios molhados de chuva e muito próximos dos dele.

Conan ergueu a faca e – com o olhar fixo nos lábios da companheira – deslizou-a pelo corpo da garota, devagar e suavemente, apenas fazendo com que a lâmina cortasse a superfície da pele. A sem nome respondeu com gritos, o corpo preso contorcendo-se por baixo de Leah.
Os dois continuaram juntos, as mãos dela apertando um pouco o seu rosto, tão próximo que ele não conseguia resistir. Lábios se tocaram, apenas para se afastarem sem nenhum movimento no intervalo de ações.

— Termine. – ela pediu cheia de desejo, talvez a lenda fosse verdadeira.

Conan apertou o punho da faca entre os dedos frios. Os gritos da garota sem nome abafados pela chuva e pelo gosto daqueles lábios que tanto desejava. Deslizou a lâmina até o peito e cravou-a ali, bem onde sabia ser o coração. O sangue deslizou na pele branca de Leah e correu com a água para um bueiro próximo.
A companheira puxou-o para si, agora sim beijando-o com vontade. O prazer da vida escapando diante de seus olhos preenchendo sua mente. A perna que antes prendia a anônima agora passava pelo quadril de Conan, que mesmo não sentindo prazer na morte, não resistia à mulher em seus braços.
Leah nunca trocaria o líder por um reles novato, mas até mesmo o líder sabia que sua reação seria a mesma com qualquer que fosse o companheiro.
Conan, por sua vez, pagaria o custo que fosse preciso para tê-la em seus braços. Fazer parte da gangue garantia muitos trabalhos em equipe. Se o preço para tê-la – mesmo que por breves momentos – era a morte de falsos anônimos, ele pagaria com prazer.
Para sorte do rapaz, a lenda afinal era verdadeira.

sábado, 29 de junho de 2013

Monomania

por M. Deméter


Texto escrito para o Desafio Decadência do Anjo, um blog de amigos e conhecidos. Música de inspiração: Monomania (título)


Querido Você,

Cansei de esperar
Cansei de acreditar
Cansei de tentar...
te convencer...
a me amar.

Hoje mais uma vez falei que não faria nada para você.
Jurei a mim mesma que não mais escreveria sobre você. Não quando tantas palavras não conseguem fazer com que repare em mim. Não quando tudo que pensa é ela, e não eu.
Contudo, aqui estou eu mais uma vez  e sei que ainda estarei várias e várias vezes, não importa o quanto lute contra   afinal, é impossível não fazê-lo quando minha mente é só você. Quando meu coração é só você.
Sabe, conheci um garoto um dia desses. Pensei que talvez conseguisse colocá-lo em seu lugar, me aproximar dele e fazer nascer algum sentimento, para que pudesse tirar o que tenho por ti e colocar o dele como substituto. E que talvez esse substituto algum dia se tornasse principal, e não precisasse mais me forçar a não te querer.
Adivinhe: É claro que não funcionou. E como poderia quando é tão claro que você não pode ser substituído, ao menos não com tanta facilidade. Ou talvez apenas não para mim, talvez ela consiga te substituir. Mas ela não precisa, não é mesmo? Quem precisa sou eu.
Mas ora, a quem estou tentando enganar? Escrevendo para você quando tenho certeza que nunca lerá. Não faz sentido algum, deveria simplesmente conversar com alguém, como a maioria faz. Contudo, sabe bem que não sou como a maioria. Além disso, não poderia compartilhar com nenhum outro sobre você. Não poderia importunar nenhum outro, como também não o faço com você.
Talvez eu escreva só pelo fato de que algum dia você, por algum milagre qualquer, leia. Entretanto, por hora, sei muito bem que não o fará.

E, por hora, mesmo sem querer,
Só posso esperar.
Só posso acreditar...
que algum dia te convencerei...
a me amar.

De sua talvez não tão querida Eu.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

A Princesa e o Sapo


Primeiramente, desculpem por não conseguir seguir a linha de um post por semana, continuo tentando, mas as vezes existem muitas coisas para fazer e pouco tempo para inspiração e escrita. Ainda assim, espero que gostem do texto e sigam o blog. (:

Agradecimento especial para a Lívia Garcia – obrigada pela ajuda e pela amizade – e outro para a Denise, que me convidou para participar do projeto dela, o Amora Literária, onde esse texto será publicado no dia 20 de junho.


Louis encarava a garota à distância, não ousava se aproximar e estragar aquela imagem mágica que se dava ao redor dela. Havia sempre aquela áurea encantada em seu entorno, um quê meio irreal que chamava tanta atenção dos rapazes – era visível como a maioria virava o rosto para segui-la com o olhar, lutando para não perderem aquela visão miraculosa que era Marcelle.
Ela estava com duas amigas, trocando palavras quaisquer e nem desconfiava de toda atenção que despertava. Marcelle era na verdade triste, pois eram poucos os homens que tinham coragem de chegar até ela.
Talvez uma comparação próxima seja a história de Psiquê, a humana mais bela de todas da mitologia grega, que fez com que Eros se apaixonasse e ao mesmo tempo despertou a ira de Afrodite, Deusa da Beleza.
Ou ao menos era assim que Louis a enxergava.
Era realmente bela, tinha o cabelo liso e claro, a pele branquíssima e as bochechas sempre coradas, isso para não falar dos olhos, o ponto máximo de toda aquela mágica que irradiava dela; eram também claros, quase cinzas, como de uma princesa nórdica.
Parecia até uma figura de contos de fada, mas o que Louis não imaginava era a insegurança e a ingenuidade que habitavam dentro daquele corpo, que antes de belo era frágil devido as incertezas da garota.
Não imaginava, mas Louis também era um rapaz especial. Era gentil e honesto, se preocupava com os outros antes de si mesmo, além de observar as pessoas ao seu redor e perceber sentimentos que carregavam. Sentimentos que de tanto analisar, percebia também em Marcelle, sem entender exatamente o que era, enxergava apenas certa tristeza permanente.
Em seus pensamentos debatia sobre as chances que teria ao falar com ela. Ele, que mesmo cheio de qualidades, era de uma aparência simples e nada chamativa, tinha seu charme, mas não se comparava ao dela.
Contava também com a ajuda de um amigo, o único que sabia de seus sentimentos por Marcelle. Sentimento esse que era realmente amor, mesmo sem terem conversado muitas vezes.

— Você precisa criar uma oportunidade para falar com ela, Louis. – era o conselho do amigo.
— Concordo, mas eu nunca sei o que ou como falar, ela parece sempre tão distante.
— Ora, aproveite a oportunidade dela estar na sua casa, se não conseguir, ao menos na hora de ir embora ela falará com você.

Marcelle e suas amigas estavam na casa dele, em uma festa, e o amigo tinha razão, ela era educada e com certeza iria se despedir do anfitrião.

Louis encarava a garota à distância, não ousava se aproximar e estragar aquela imagem mágica que se dava ao redor dela. Mas ele sabia que logo chegaria o momento e ele estava preparado para falar o que fosse preciso.
Ela tinha os gestos cheios de delicadeza: a forma como gesticulava com as amigas, como olhava com intensidade ao prestar atenção no que quer que fosse, ou como passava os dedos entre as madeixas do cabelo que escapavam de trás da orelha, onde ela os acomodava.
Às vezes seus olhares se encontravam, ela sorria tímida e desviava como se estivesse numa alucinação, não acreditando que ele a encarava. Louis era muito mais popular que ela, apesar de tudo.
Marcelle era sempre aquela que ficava em silêncio e prestava atenção em tudo, sem interferir, a não ser que alguém direcionasse sua fala para ela, e apenas para ela. Ai então ela responderia com afinco, deixando clara sua opinião, mas ainda com medo de errar ou de tremer a voz. Não gostava da atenção, já a tinha demais pela aparência.
Desejava apenas que gostassem dela, e que encontrasse seu verdadeiro amor, mesmo sem coragem para tomar as rédeas das situações.
Era inteligente, mas covarde. Frágil, para usar uma palavra mais pacifica. Enquanto ele parecia cheio de coragem, falava alto e estava sempre rodeado de amigos, também inteligente, mas cada um a sua maneira.
Mal sabia Marcelle que, quando se tratava do romance, na verdade era tão tímido quanto ela. Se não até mais, tinha medo de se envolver, mas por ela desejava tomar aquela iniciativa e conquistar a garota dos contos de fadas para si.

— Convide-a para sair, só os dois, assim terão a chance de se conhecerem melhor. – aconselhou o amigo mais uma vez, no final da festa.
— Ah, você deveria vê-la. – falou ao amigo pelo telefone. – Ela está tão radiante, com o cabelo solto e uma blusa verde contrastando com a pele clara.

Marcelle estava no cômodo ao lado, esperando para se despedir de quem faltava, o anfitrião. Era a única de verde na festa, e sua audição mesmo que não fosse apurada poderia distinguir as palavras de Louis.
Olhou um tanto nervosa, achando que aquilo deveria ser uma piada qualquer, sem acreditar que falava dela para o amigo.

Louis encarava a garota não tão distante, dessa vez teria que se aproximar e estragar aquela imagem mágica que se dava ao redor dela. Ele deu alguns passos em sua direção, ficando perto o suficiente para tocá-la se levantasse o braço.
Os olhos claros encaravam de volta, um tanto assustados e nervosos. As bochechas mais coradas que o normal, o corpo, porém, imóvel, deixando que o dele se mantivesse perto.

— Já estou indo. – a voz saiu um tanto trêmula. – Me diverti bastante, desculpe se deixamos alguma bagunça na casa.

Louis suspirou, não fora daquela forma que imaginara como a conversa iria começar, mas não poderia deixar a oportunidade passar, além disso, ela também merecia uma explicação, mesmo fingindo que não escutara nada.
Marcelle abraçou-o, um pouco nervosa, para despedir-se como faria com qualquer conhecido. Entretanto, ele passou o braço pela cintura da garota e prendeu-a junto de si.

— Não me importo que deixe a casa bagunçada, desde que venha para me visitar. – ele falou em tom de brincadeira, tentando deixar a voz como nos flertes que direcionava a garotas que não o deixavam nervoso.

Aproximou o rosto e encostou seus lábios nos dela, avaliando o quanto ela queria aquilo. Marcelle não desviou o rosto, atitude que fez com que Louis intensificasse o beijo.
Ela virou o rosto depois de alguns instantes, separando seus lábios. Porém não libertou o corpo, apenas encostou a cabeça no ombro do rapaz. A garota também gostava dele.

— Não podemos fazer isso, Louis. Você não é um desconhecido que posso fingir nunca ter visto antes, como vou olhar em seus olhos quando nos encontrarmos depois? – perguntou com a voz baixa, tímida.
— Se não der certo, pode fingir que nada aconteceu se te fizer sentir melhor. Você é como uma princesa, e eu talvez pareça com um sapo, mas se me der uma chance, posso mostrar o príncipe que há dentro de mim.

Marcelle suspirou um tanto nervosa.

— Tudo bem, tenho um compromisso amanhã de noite, posso te ligar depois e vamos comer em algum lugar.


Era a chance que ele precisava. A oportunidade de Louis mostrar que poderia ser o príncipe para aquela garota dos contos de fadas, o verdadeiro amor que aquela princesa procurava.

domingo, 5 de maio de 2013

Colors of Silence

por M. Deméter


Mais um post com o tema do Céu Literário. O tema agora é silêncio.
Agradeço aos comentários e quem gosta dos contos, fique a vontade pra seguir o blog, estou me esforçando para fazer posts semanais agora. (:
Obrigada.


Estou afundando nesse silêncio
Silence – Sarah Mclachlain

“Os olhos dela refletiam todas aquelas cores que preenchiam o mundo.” – foi o que passou em minha mente a primeira vez que a vi depois de tudo.
No começo não ousei me aproximar, ela parecia nervosa demais para me perceber ali parado, observando. E eu não queria que o fizesse. Não estava preparado para aquele contato, não saberia como reagir, como assimilar o que ela falaria.
Contudo, ao mesmo tempo, sentia sua falta. Foram longos os dias no hospital sem suas visitas. Visitas que eu mesmo implorei que ela não fizesse. Aquele era um momento apenas meu.
Eu fora internado alguns dias antes para uma cirurgia que poderia me deixar viver por muitos anos, mas que ao mesmo tempo seria responsável por me fazer mergulhar num mundo totalmente silencioso.

— É preciso dissecar seu tumor, a cirurgia pode causar efeitos colaterais graves, já que ele está localizado na região responsável pela audição. – foi o que o médico explicara.

Eu havia descoberto um tumor no cérebro, não era muito grande, mas estava numa região complicada, segundo o neurologista. Segui o conselho do doutor, e exatamente como ele explicou, houve danos colaterais.
Acordei sem escutar absolutamente nada.
O mundo parecia estar no mute, como se o problema não fosse com minha audição, mas sim com os sons. Senti que eram eles que não queriam se pronunciar ao meu redor, e não meus ouvidos que não conseguiam escutá-los.
E agora lá estava eu, em vez de me preocupar com todos os anos que eu teria para viver, com toda a dificuldade que teria para aprender a conviver com aquele silêncio interminável. Preocupava-me apenas com ela, e em como ela encararia aquilo, em como conseguiria conviver com aquilo.
Não suportaria perdê-la também, não depois de perder os sons.
Entretanto, eu entenderia caso assim sucedesse, afinal, ninguém é obrigado a conviver com isso, a não ser, é claro, o próprio portador da deficiência.
O braço dela foi até o rosto, mexeu numa mecha do cabelo escuro. Notei suas pernas revezando no apoio do corpo, dobrava um joelho, esticava o outro. Trocava alguns segundos depois. Não contive o riso – riso sem som, apenas uma vibração por dentro da garganta – ao perceber tal ato, nunca havia reparado antes.
Era realmente como diziam, todos os outros sentidos ficavam apurados com a falta de um? Não exatamente, acredito que até ficariam, mas só depois de algum tempo. A diferença era que agora eu não prestava mais atenção aos sons e então, à distância, tudo que sobrava era a visão.
Porém, fosse pela percepção visual, fosse pela auditiva, ela finalmente olhou em minha direção. Olhou e viu.
Senti minhas mãos geladas.
Percebi a mudança de expressão em seu rosto. Os lábios se contraíram num primeiro momento, para depois se tornarem um sorriso não tão natural. Os olhos percorreram o espaço ao redor, mais uma vez roubando todas as cores do mundo para dentro deles, e mandando-as de volta através do reflexo.
Aqueles olhos eram fascinantes, muito mais do que eu havia reparado antes. Tão vivos. Tão cheios de cor.
As pernas tomaram um rumo, seguindo o caminho que levariam até mim. Meus olhos percorreram sua pele até os pés: ela estava de salto. Era estranho não ouvir o toc toc familiar que eles faziam ao tocar o solo.
Era estranho não ouvir o vento que balançava sua saia e seus cabelos. Era estranho que as cores chamassem tanta atenção e que os detalhes de sua movimentação fossem tão perceptíveis.
Ela me abraçou. Sua pele estava agradável, nem muito quente, nem muito fria. Combinava bem com meus dedos gelados. Apertou seu corpo conta o meu e pude sentir uma lágrima molhando meu pescoço.
Afastou o corpo um instante depois e abriu um sorriso.
Percebi um movimento em seu tórax, achei que era uma daquelas inspirações fundas, seguidas de um suspiro que não podia ouvir. O braço subiu mais uma vez arrumando uma mecha de cabelo para trás da orelha.
Parou com as mãos na altura do peito.

“Eu te amo.” – seus gestos me disseram, enquanto uma lágrima escapava dos olhos. – “Para sempre.”

Quase consegui ouvir sua voz pronunciando aquelas palavras. Quase.
Eu não a perdera afinal.




Outros textos com o mesmo tema a seguir:

domingo, 28 de abril de 2013

Vida de Vela

por M. Deméter


Bom, esse post está um tanto quanto atrasado, mas é o que dizem: antes tarde do que nunca.
Eu prometi pra alguns que um dia sairia, e saiu. (:

Post comemorativo de 1.000 visualizações (que já são mais que 1.000)




Estavam dentro de um ambiente fechado, com um cheiro forte e vozes ao fundo. Vozes e risadas, intercaladas.

— Ouvi dizer que ela quer finalmente comemorar a data especial. – falou Blue.
— Já era hora, não é mesmo? Depois de mais de um mês, está um pouco atrasada.
— Pink, mas foi muito melhor assim, pelo menos tivemos esse tempo de atraso para viver um pouco mais de nossas vidas.
— E qual o objetivo de viver nossas vidas? – questionou, franzindo o cenho.
— Ora, não interessa o objetivo...

A voz ao fundo parou. Dessa vez o som eram passos se aproximando. Blue olhou ao redor, assustado, e depois continuou.

— Interessa que a vida é nossa e temos direito de vivê-la.
— Mas existimos apenas para comemorar esses momentos, não temos nossa vida para viver, nascemos apenas para queimar, Blue!
— E se eu quiser viver para viver? E não apenas para queimar pela comemoração dos outros?

Os passos pararam muito próximos. Uma gaveta se abriu, por sorte, não a deles.

— Imagine que depressivo seria se Faísca também pensasse assim, ele dura apenas alguns segundos depois de aceso. Você deveria estar feliz por poder comemorar várias vezes e com vários humanos diferentes, em vários tipos de datas e coberturas.
— Pois não fico, quero uma vida só minha, quero ser esquecido no fundo da gaveta ou perdido numa sacola rasgada. Prefiro isso a sentir o fogo queimar na minha cabeça!

A gaveta se fechou e dessa vez, com o som de outra se abrindo, a ambiente se movimentou, chacoalhando um pouco e ficou totalmente iluminado.

— Não é possível, Blue, devem ter errado na sua fabricação. – gritou Pink, enquanto a mão se aproximava.
— É mesmo, talvez eu não sirva para ser uma vela, talvez eu devesse ser como eles: humanos, com isqueiros em mãos prontos para queimar criaturas como você e Faísca!

Os dedos chegaram. Agarraram os dois.
Segundos depois, Blue foi deixado de lado na mesa enquanto Pink foi colocada em cima de uma cobertura toda colorida, o fundo branco e desenhos em tons delicados com letras desenhadas sobre as cores.
Seus pés encheram-se com o chantilly, a mão se aproximou mais uma vez, acendeu o isqueiro e o fogo queimou a cabeça toda rosada dela enquanto as vozes voltavam, cantando um ritmo alegre.

— Parabéns pelas mil visualizações. – um dos convidados falou logo depois da canção.

Blue apenas olhava, agradecendo por não ser ele a primeira opção, e ainda revoltado com sua existência.


domingo, 21 de abril de 2013

The Spring’s Winter

por M. Deméter

Bom, esse texto foi feito primeiramente como presente para o meu amigo homônimo ao protagonista, mais conhecido como Diones. (:

Segundamente, foi feito com o tema do mês do grupo Céu Literário, que é uma rede de divulgação de blogs de literatura, por isso, vou colocar no final alguns links de outras pessoas/blogs que escreveram com o tema

Espero que gostem. (e comentem, seus lindos)



Rússia, século XIV. O jovem soldado Huirian Suzin percorria a planície coberta pela neve. Os passos se davam numa marcha lenta e difícil, os pés afundando naqueles flocos brancos que caiam do céu e se acumulavam no solo.
Estava andando rodeado pelo vento severo do inverno já há alguns dias, fora enviado para a guerra já há alguns meses. O rapaz vivia numa pacata cidade russa, uma noiva o aguardava, junto com pais preocupados e um irmão caçula que o idolatrava. Contudo, não poderia ter dito não ao seu governo quando a carta do exército chegou, assim como muitos, ele era dotado de um patriotismo que marcaria seu destino.
Perdeu-se de seus companheiros de pelotão quando estavam envolvidos numa armadilha do inimigo. Balas de diversos tipos corriam no ar sem rumo certo, os soldados imitavam o movimento em busca da liberdade e da vida. Não era de se admirar que o protagonista tenha escolhido um caminho diferente dos outros, assim como muitos também estavam vagando sozinhos pela região, bastava apenas sobreviver tempo suficiente para encontrá-los.
Sobreviver, esse era o problema. Como sobreviver sem nenhum estoque de mantimentos naquele inverno bruto? Nem mesmo os nativos conseguiam suportar a neve e o vento sem comida e trocas de roupas, afinal, fora esse mesmo o erro de grandes impérios em tempos passados e futuros.
Entretanto, os dias passavam e Huirian não conseguia encontrar mais nenhum soldado de seu pelotão, começara a ficar preocupado com seu destino no dia anterior, quando a bota começava a mostrar sinais de que logo mostraria um furo no tecido. Ele não tinha muito tempo sozinho, e os inimigos continuavam a espreita, estes o russo já havia encontrado aqui ou ali algumas vezes, enquanto escondia-se.
Enquanto isso, na cidade a senhorita Michllat recebia uma carta explicando que o noivo havia se perdido do grupo e ainda não fora encontrado – duvidava ela que ao menos estava sendo procurado, muitos acabavam com o mesmo destino e ela sabia bem que não poderiam ir atrás de todos em tempos de guerra –, rezava todas as noites pedindo que por algum milagre que fosse seu amado fosse encontrado vivo pelos aliados.
O inverno estava se transformando em primavera e, nos locais mais quentes do país, já era possível detectar a neve derretendo e algumas plantas lutando para germinar.
Na região em que Huirian se encontrava, porém, o clima era muito mais austero e as plantas não tinham espaço para crescer ainda.
O soldado já abandonara a esperança, perdera a conta de quantos dias haviam passado, escondia-se na floresta e movimentava-se pouco, tentando evitar as rajadas de vento que estavam presentes fora da proteção das árvores. Seus ossos começavam a marcar sobre a pele, devido à falta de comida, e as armas já estavam sem munição alguma.

Rússia, 8 dias depois. Era noite, o céu estava limpo e estrelado, como se as flores que não conseguiam nascer através da neve decidissem ir para cima e brotar como estrelas, irradiando beleza e iluminando a noite.
Lá em baixo, já não numa planície, mas numa clareira com vista para a lua cheia, Huirian Suzin movimentava-se com dificuldade, tentando não fazer barulho e conseguir o primeiro animal que vira na semana, uma fonte de alimento.
Um pouco acima, entre as árvores, um soldado fazia guarda do acampamento inimigo. Apesar de parecer fraco e não oferecer perigo, Huirian ainda era um jovem russo, e vestia o uniforme de seu país.
O inimigo avistou um leve movimento da clareira, mirou a arma carregada e reconheceu o uniforme.

Atirou.

A neve manchou-se de vermelho, quando o sol nasceu escondendo as estrelas, o vermelho ainda brilhava em contraste com o branco.
Na cidade, a noiva receberia outra carta, em plena primavera. Uma mensagem que faria com que aquele ano todo fosse um inverno para sua alma, um inverno muito mais rigoroso e que demoraria muito mais para terminar.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Tique. Taque.



Esse texto foi escrito como presente de um amigo secreto, por tanto, ele é pra Flávia Amaral e só pra ela. (:
Além disso, tenho que agradecer a Rai porque vixe, não ia saber o que fazer sem a ajuda dela, obrigada por me dar tantas dicas, sogrinha <3
E a foto é minha também, tudo original aqui. o/ (tirando a Alice -q)





O relógio continuava com aquele seu tique-taque irritante e incansável, sem nunca parar. Ora, mesmo depois dela desejar tantas vezes que ele quebrasse e simplesmente emudecesse. Era um grande atrevido aquele relógio, isso sim, queria era ser maior que todos os outros sons, mas coitado, era tão baixinho que pra recompensar não parava nunca.

Continuava sempre. Tique. Taque. Tique. Taque. Tique. Taque.
Tique.

E foi entre um desses barulhinhos infernais que ela o viu. Ali, parado a sua frente apenas esperando ser notado. Esperando que sua criadora enfim voltasse sua atenção para ele, que esquecesse o maldito relógio e olhasse logo para ele. E ela finalmente olhou.

– Ah, até que enfim eu mereço um pouco de sua ilustre atenção, Flávia. – foram suas primeiras palavras, ou pelo menos as primeiras que ela percebeu.

Em resposta houve apenas um olhar confuso, como que pensando: Ora, quem é essa tal de Flávia que ele se refere? E só, nenhuma palavra, ela apenas desviou o olhar novamente para o relógio.

– Não me venha com mais uma sessão de relógio, por favor. É com você mesmo que estou falando. – agora seu tom transparecia alguns sinais de nervosismo.
– Como pode estar falando comigo quando chama por um nome que não me pertence? – ela enfim falou.
– Ah, sim. Como pude me esquecer? É Alice, não é?
– Exato. – sua pequena afirmação estava carregada por um tom um tanto quanto alucinado. – E você é?
– Ora, ora. Minha cara, se você fosse mesmo Alice saberia muito bem quem sou. Sou o Valete de Copas, mas você pode me chamar de Jack.
– Jack. – ela pronunciou aquela palavra como se fosse a mais poderosa entre todas que existiam no dicionário, seus olhos castanhos por um momento vagando pelo quarto como que em busca de uma lembrança perdida entre um Tique e outro Taque.

O Valete apenas esperou, deu o tempo que ela precisava para que lembrasse, ou ao menos o tempo que ele considerava o necessário. Flávia continuava admirando o quarto com seu olhar perdido, tentando enxergar algo além daquelas paredes brancas e sem graça.

Tique.

Ela piscou uma vez como se de repente algo fizesse sentido dentro de sua mente.

– Jack. – agora sua voz foi carregada de amor.
– Não querida, infelizmente, não esse Jack. O Jack que você amou não existe mais, ele é o motivo de você estar aqui. Tente se lembrar, esse é o motivo de eu estar aqui.
– Jack. – na terceira vez a palavra saiu acompanhada de uma lágrima.

Ele aproximou-se dela, sentou no canto da cama e passou os dedos delicadamente pelo rosto de Alice, enxugando sua lágrima.

– Alice, não chore. Que tal um pedaço de torta? Será que te fará mais feliz?
– Não, obrigada. – ela sorriu pelo gesto de carinho.
– Você se lembra dele? Preciso que se lembre, assim finalmente poderei libertar você e também todos do meu reino, os quais estão presos aqui junto comigo.

O Valete continuava com sua mão no rosto da garota, vendo que ela hesitava em responder, aproximou-se de seu rosto lentamente.
Flávia sentiu sua respiração calma e o olhar perdido voltou-se para aquele rosto, parou um instante na cicatriz desenhada em torno de seus olhos cada vez mais próximos. Tempo necessário para que sentisse seus lábios se encontrando.
Ela fechou os olhos e aproveitou a firmeza daquele beijo repentino. Sua pele era fria, tanto os lábios como a mão que segurava seu rosto.

– Acorde, querida Alice. – ele falou ainda muito próximo dela, fazendo com que ela respirasse seu hálito doce.

E então ela se lembrou realmente de seu Jack, aquele que havia amado e que não estava mais com ela. Lembrou-se de ter sido levada para aquele quarto branco, para perder-se completamente.
Abriu os olhos, finalmente desperta, mas ele já não estava lá. O Valete havia se despedido com aquele toque de lábios, e havia também trazido-a de volta.

– É Flávia, não Alice. – ela respondeu para a lembrança dele que ainda vivia entre as paredes brancas, acreditando que suas palavras pudessem encontrá-lo como um gesto de despedida e de agradecimento.