"E como o mundo
chegou ao fim
Eu estarei aqui
para segurar sua mão
Porque você é meu
rei e eu sou o seu coração de leão"
King And Lionheart - Of Monsters and Men
O
quarto cheirava a morte.
Simplesmente
isso: Morte. Não que a morte pudesse ter algum cheiro específico, era diferente
para cada um. Ali, era uma mistura de sangue, sujeira e fumaça, além de algo
parecido ao mofo – não devia ser mofo, a janela estava aberta há tanto tempo.
Talvez
fosse só a morte impregnando-se aos lençóis. Ou a vida que deixava o corpo e
pairava por ali. Vida e Morte, qual era a diferença afinal?
—
Não devia permitir que ficasse aqui me vendo morrer quando o reino precisa
tanto de você. – ele falou lentamente, cada palavra um martírio.
—
E como é que me impediria, meu querido Rei?
—
Não impediria, nunca pude impedi-la de nada.
—
Pôde me impedir de salvar-te. - não
permitiu que fosse ao seu lado para a batalha e talvez isso tenha custado sua
vida, ela ponderou, mas não deixou que as palavras deixassem os lábios.
Lianne
sabia muito bem que sua perícia poderia salvá-lo, mas o Rei tinha os argumentos
certos. Uma Rainha não deveria se misturar à guerra e facilitar o serviço dos inimigos
de extinguir a linhagem do trono. Uma Rainha tinha que manter-se firme para as
outras mulheres e crianças da corte que não podiam lutar.
Uma
Rainha tinha que sobreviver.
—
Deixei que meu orgulho me impedisse de tê-la ao meu lado. – os olhos dele
mantinham-se fechados enquanto tentava falar o melhor possível.
—
E eu deixei que minhas obrigações afastassem minha espada de seus inimigos. –
ela apertava as mãos do amado.
Amado.
Era tudo que ele era naquele momento, apesar de sempre chamá-lo de Rei ou Vossa
Graça, na verdade era apenas seu amado. Nem amante poderia ser, já não havia
tempo para aquilo. Amado era mais adequado, mais passado que futuro.
Ele
abriu os lábios, mas as palavras não saíram. Apenas um murmúrio sem fundamento.
A morte estava próxima demais para palavras.
—
Sabe que nunca iria deixá-lo nesse momento, falhei durante a batalha, não
repetirei o erro agora.
A
Rainha esperou uma resposta. Tudo que ele fez foi fechar os lábios e soltar uma
tosse fraca, mais para um sussurro do que outra coisa.
O
sangue impregnava seu tronco, a armadura foi removida e o ferimento tratado,
mas não fora o suficiente. O gume do inimigo foi fatal, mas aquele era o
destino de um Rei afinal.
—
Fiz com que seus inimigos pagassem por isso, Vossa Graça. – ela deixou uma
lágrima escapar pelas pálpebras e acariciou a mão do Rei. – Seu reino continua
vitorioso.
Tinham
conseguido vitória, mas de que isso adiantava agora? Lianne preferia que
tivesse perecido com ele. Suas vidas foram interligadas e agora a morte chegava
apenas para ele. O mundo dele estava terminado e, ainda que com vida, o dela
também perderia sua luz pela falta dele em seu campo gravitacional.
—
Manterei seu Reino para ti. Sempre. – ela tentou confortá-lo, mas não sabia
mais se ele entendia suas palavras.
As
pálpebras dele estremeceram e se abriram por um momento, deixando que seus
olhos encontrassem os dela numa despedida muda. Os dedos se apertaram uns nos
outros com a maior força possível, mas apenas por um breve instante antes de
relaxarem completamente.
—
Manterei meu amor por ti, querido. – ela deixou o título de lado. – E manterei
minha bravura, juro. – deixou então as outras lágrimas caírem, sabendo que ele
não poderia mais vê-las.
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