domingo, 1 de setembro de 2013

Sobre Mapas, Fantasmas e Veneza

Texto escrito (um pouco atrasado) para o tema de agosto do Céu Literário: Países (cidade, lugares, culturas, qualquer coisa relacionado)



— Queria ser um mapa. – Dorian comentou depois de alguns segundos divagando em seus próprios pensamentos.

Ela já esperava por uma pontuação sem sentido aparente, mas conhecia-o bem para saber que na verdade tudo teria um sentido se ele pudesse explicar.

— Por quê? – perguntou enfim.
— Agatha, entre todos, imaginei que você pudesse me compreender.
— Acertou. Eu posso. Tanto posso que pergunto: Por quê?

Dorian passou os dedos enrugados pelos fios de cabelo grisalhos e devolveu a mão ao remo antes de responder.

— Ora, pois mapas são as coisas mais confiáveis que existem. Repare que eles sempre te levam ao seu destino e, se não levarem, a culpa nunca é deles, mas sim dos que não o seguiram corretamente, ou dos que passaram instruções incorretas sobre o destino final.
“Portanto, queria sim ser um mapa, assim todos acreditariam em mim.”

Ela moveu sua sombrinha cheia de rendas de um lado para o outro do corpo, aproveitando o momento para apreciar aquele que permanecia a sua frente. Dorian sempre fora um homem incrível, a beleza não era seu forte, mas sim o pensamento. E ainda assim, ela o amava independente do corpo, amava a alma.

— De que adiantaria confiarem em você, querido? – suspirou resignada.
— Adiantaria que acreditariam também em você.
— E de que adiantaria que acreditassem em mim? Ainda assim eles não poderiam me ver.
— Talvez pudessem, talvez você seja como as fadas, que quando não são acreditadas, morrem.

Agatha pensou por um momento, apreciando a vista da cidade que passava lentamente conforme o movimento dos remos os levava para outro ponto do canal.

— Talvez. Mas então eu teria que partir.
— Por quê? – foi a vez dele de perguntar, surpreso.
— Olhe ao seu redor, Dorian.

Ele olhou. Veneza passava por eles lentamente, as casas apertadas para abrigar a todos os turistas, os barcos amarrados na margem do canal e um ou outro vagando no caminho contrário ao deles.

— Sempre achei Veneza um lugar incrível.
— E muito romântico, não é? Lembro quando me contou que queria passar nossa lua de mel aqui. – ela sorriu com a lembrança. – Faz tanto tempo.
— Faz, mas a cidade parece que parou no tempo.
— Você chegou ao ponto principal. Mais que romântica, Veneza é uma cidade assombrada, condenada aos seus próprios fantasmas. Afinal, uma cidade que parece parada no tempo na verdade é apenas uma cidade cheia de fantasmas.

A torre de uma igreja começou a aparecer no horizonte, com sua cruz alta indicando o caminho até a construção e prendendo os olhos de quem nunca havia visto aquele monumento.

— E nem todos os fantasmas querem ser acreditados e vistos, Dorian.
— Você não quer?
— Não acredito que eles poderiam me ver, estou aqui só por você.

Ele suspendeu os remos e colocou-os presos onde pudesse soltar sem que caíssem. Levantou-se e sentou-se no banco da frente, um mais próximo a ela.
Agatha percebeu o movimento e fez o mesmo, buscando equilibrar o peso do barco com seu corpo na verdade sem peso algum. Fechou a sombrinha vinho e deixou-a repousar sobre a saia de seu vestido de mesma cor.

— Estou aqui apenas esperando por você, querido. – a voz dela era jovem, assim como a aparência, contrastando com a dele que era já cheia de marcas da idade.

Dorian levantou sua mão e levou-a até os fios negros do cabelo de sua companheira. Tentou tocá-los sem sucesso, lembrando-se de como sentia falta de tocar suas madeixas macias. Deixou escapar uma lágrima por entre suas pálpebras.
Agatha, por sua vez, apreensiva com o movimento, tocou seu cabelo, enrolando-o e jogando para trás. Sorriu para ele e inclinou-se na direção do marido.

— Todos me chamam de louco, meu amor.
— Desista de tentar convencê-los, estou aqui apenas para você, não para os outros. Ninguém precisa de fantasmas, mas eles terão os deles quando chegar o momento.

O senhor enxugou a lágrima que antes havia caído e em seguida levou a mão ao peito. Tentando esconder a expressão de dor que passou por sua face no mesmo instante.

— Qual o problema? – ela perguntou preocupada.
— Acho que finalmente estou perto de beijá-la de novo. – ele riu, ainda com a mão no peito.

Agatha aproximou-se ainda mais, deixando seus dedos ao redor dos dele. Conseguiu sentir um calor se dissipando e o corpo dele quase sólido para o seu. Tocou-lhe o rosto, emocionada com a percepção de suas rugas.
Ele deixou o sorriso firmar-se em seu rosto, tirou a mão do peito e levou até o rosto dela, quase sentindo seus fios por trás do pescoço.

— Espere por mim apenas um pouco mais, Agatha.
— O tempo que for preciso.

Dorian tocou-lhe os lábios pálidos antes de fechar os olhos para sempre. Finalmente poderia voltar para sua querida Agatha e compartilharem sua própria Veneza.


5 comentários:

  1. Não! Não! Não! D:
    Pobre Dorian, pobre Dorian! Imaginar uma vida como a dele. Junto de sua esposa, mas ao mesmo tempo separado. Sem poder tocá-la. Um louco aos olhos de todos os outros que veem nele um demente que ainda enxerga a falecida esposa em todos os lugares... Um conto realmente lindo. Adorei a simplicidade do texto, a suavidade da escrita e das falas, que carregam algo de profundo e sábio. A escolha dos nomes também foi magnífica. Dorian me lembra Dorian Gray, e Aghata, a Christie. <3

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  2. Mica e Diones, obrigada <3

    "Unknown", quem é você? haha Obrigada (: E poxa, que bom que gostou dos nomes, sempre tento usar um que realmente se enquadre com a personagem, e eu também lembrei dos dois *-*

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  3. Eu também relacionei Dorian ao Dorian Gray e Aghata à Aghata Christie. *-*
    Que coisa linda, Mah! É triste, mas ao mesmo tempo é bonito, pensar no Dorian. Pensar em como toda a sociedade o chama de louco, mas mesmo assim ele não desiste do amor. Essa coisa de amor eterno após a morte me lembrou o Snape, também.
    Suas descrições estão cada vez melhores, coisonga. O texto é de uma leveza impressionante, mesmo que o enredo tenha uma profundidade filosófica. Adorei. <3

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