quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

O Fantasma da Fada

Esse conto foi feito como presente de amigo secreto para a Lívia Garcia e os personagens são de Cyan (um projeto de livro que ainda estou desenvolvendo), portanto, algumas informações podem estar confusas para os que não sabem sobre sua história.


— Acho que na verdade estou enganada quanto a você, criança.
— Por que todos insistem com essa coisa de criança? - reclamou.
— Porque é o que vocês todos são, mas não conseguem enxergar. Vivemos antes d’A Queda e conhecemos Cyan de uma forma que vocês nunca imaginariam. Alguns viveram mais a transição que a fase boa, mas a maioria de nós, criaturas mágicas, tivemos nossas vidas construídas enquanto o dom perdurava, e aqueles que amávamos foram tirados de nós durante a transação.
— Os humanos também sofreram perdas.
— Mas são nossas espécies que estão sob ameaça, e as nossas famílias é que foram destruídas.
— Não apenas as suas. – corrigiu.
— Tem razão, alguns humanos também perderam, mas diferente de nós, a morte faz parte de suas vidas com muito mais frequência. Suas jornadas são curtas e seus corpos não resistem muitos anos. As gerações mudam rapidamente e a memória também se perde com a mesma facilidade, talvez por isso algumas criaturas tenham suas reservas quanto aos humanos.
— Mas vocês também morrem.
— Sim, no entanto o curso natural é que vivamos centenas e centenas de anos, vocês mudaram isso. Vocês humanos são todos crianças para nós.

Brenton se calou por um momento, como que desistindo de retrucar ou questionar. Se os julgavam tão inexperientes e infantis, como poderiam colocar a responsabilidade dos dons sobre eles? E por que é que tal dádiva fora concedida aos humanos, tornando-os responsáveis pelas criaturas mágicas?
Seus olhos observavam a fada quase estática ao seu lado, sentada de costas para o mar enquanto a brisa balançava suas asas. Não tinha respostas para aquelas dúvidas, mas talvez estivesse fazendo as perguntas erradas.

— Por que acha que está enganada sobre mim? – ele questionou relembrando o início da conversa.
— Acho que me confundi, me deixei levar por minhas memórias e esqueci que você, por mais parecido que seja, não é aquele que uma vez esteve em minha história.

Os olhares se encontraram por um momento, o verde confuso enquanto o lilás apresentava certa inquietação. A fada sorriu e balançou a cabeça levemente, piscando as pálpebras como se alguma lágrima estivesse tentando chegar ao rosto.

— Sabia que apenas humanos se tornam fantasmas? – ela desviou o assunto.
— Não, mas sempre os imaginei como humanos.
— Apenas humanos se tornam fantasmas porque apenas humanos sentem que a vida é curta demais e preferem continuar por aqui. Nós já vivemos tempo demais e sofremos perdas demais para desejar mais tempo nesse mundo.
— E como eles são? – ele deixou a curiosidade falar mais alto.
— São criaturas amarguradas. Eles percebem rapidamente que a morte não é nenhuma punição e que a vida longa não é nenhuma dádiva. Muitos presenciam o fim de seus familiares e ficam presos em seus espectros de semi-vida.
“Cada um é feito para seu próprio tempo. Vocês são preparados para os anos que devem viver, assim como nós. É sempre um erro tentar enganar a morte, e ela sempre cobra suas dívidas.”

Liv levou a mão ao rosto cabisbaixo, os cachos volumosos escondiam seus olhos, mas Brenton tinha quase certeza que os dedos dela limpavam suas lágrimas.

— Quem é que esteve em sua história? – ele voltou ao assunto que ela parecia fugir.
— Seu nome era Bryan e ele era um possuidor antes d’A Queda. – admitiu. – Vocês se parecem em vários aspectos, não apenas no nome.

***

O ar remexeu ao redor da fada e suas asas perderam a estabilidade por um momento. Seus pés tocaram o chão e seus olhos percorreram o lugar tentando encontrar de onde viera a rajada repentina.

— Você sabe que nunca vai conseguir me surpreender fazendo esse alvoroço todo antes de aparecer, Bryan. – ela riu enquanto continuava olhando ao redor.
— Não consigo resistir, desculpe. – um sorriso enfeitava seu rosto.

Ele saiu por entre as árvores com o cabelo bagunçado e um tom brincalhão na face, como de costume. Talvez os humanos realmente fossem para sempre crianças.

— É incrível como vocês, humanos, gostam de reclamar por serem chamados de crianças quando não se importam de se comportarem como tal. – brincou.
— E é incrível como você gosta de deixar clara sua idade avançada. – replicou.

O ar se agitou ainda mais e uma corrente tirou-a do chão, suas asas foram manipuladas pelo vento e seu corpo deslocou-se graciosamente até perto dele. O vento finalmente parou.
Os braços dele envolveram-na num abraço assim que ela se aproximou, tomando cuidado para que as asas continuassem livres. O possuidor puxou-a para mais perto deixando que seus corpos se encontrassem.

— Pelo menos agora é uma criança que sabe controlar o ar com mais suavidade e não tenta arrancar minhas asas com um vendaval. – ela devolveu o sorriso.
— E por acaso a senhorita acredita que crianças podem fazer isso?

Bryan puxou-a suavemente pelo pescoço, trazendo seu rosto para mais perto dele, deixando os lábios se tocarem e mantendo-a junto de si.

***

— Ele tinha um dom raro, podia controlar o ar ao seu redor. – ela sorriu com a lembrança. – Bryan conseguia manipular outros elementos com a força do ar e também era muito útil nas batalhas, podia afastar os inimigos ou impedir que eles tivessem o oxigênio necessário nos pulmões. Mas apenas quando estavam próximos; a distância era sua limitação.
— E o que aconteceu com ele?

Ela suspirou e deixou outra lágrima escapar. Brenton aproximou-se e colocou seu braço em torno da fada, num gesto de conforto.

— Foi mais uma vítima d’A Queda.
— Sinto muito.
— Sinto muito por seus pais.

Os olhares se encontraram novamente. O verde dele no mesmo tom daquele que um dia fora humano, sempre uma recordação para a fada. Liv sorriu para o garoto quase como costumava sorrir para o homem.

— Desculpe, não deveria distrair sua mente com minhas velhas histórias.
— Acredito que eu precisava de alguma distração.
— Prometo que te apresento para ele quando voltarmos à Alvar.
— Apresenta? – a dúvida estampou-se na expressão de Brenton.
— Sim.
— Mas ele não... – ele teve receio de falar.
— Não. – ela entendeu. – Ele escolheu a amargura da semi-vida num espectro no lugar da morte.


Nenhum comentário:

Postar um comentário