domingo, 16 de fevereiro de 2014

A garota das palavras




You speak in words without a sentence
You're the ghost that haunts me without a presence
(Gabrielle Aplin – Let me in)


A garota mantinha-se no canto, apenas observando, com a folha ainda em branco descansando sobre suas pernas cruzadas. O chão duro nunca fora um desconforto para ela, o único problema eram as palavras e pensamentos que não conseguia transcrever para o papel.

Palavras. Achava que sempre tivera dificuldade com elas, mesmo quando todos diziam o quão bem ela conseguia manipulá-las. Manipulá-las, pensava ela, como era um absurdo alguém supor que palavras poderiam ser manipuladas. Elas apenas eram, por conta própria e numa vontade completamente desprovida de sentido. Elas apenas surgiam de lugar nenhum para acabarem em lugar algum.

Mas ela queria que deixassem lugar algum e terminassem em algum lugar. Queria escrever uma história encantada sobre criaturas mágicas pairando sobre sonhos reais. Queria desenvolver as ideias que já vagavam em sua mente e, ao mesmo tempo, teimava em deixar as velhas de lado e agarrar-se àquelas novas que nem existiam ainda. Talvez apenas quisesse entender o que queria.

Talvez só precisasse colocar todos aqueles talvezes no papel em branco e deixar-se mergulhar naquela história ainda sem enredo sobre as criaturas fantásticas. Talvez estivesse mais uma vez cansada do tão intenso talvez. Talvez devesse apagar a palavra talvez do dicionário de uma vez.

-

Ele fingia esconder seus pensamentos nos livros enquanto imaginava o que tanto a garota divagava. Os olhos dela estavam sempre acompanhando-o para onde fosse, mas sabia bem que na verdade não o notava com nitidez. Era mais como se estivesse num canto da visão periférica: podia ser constatado, mas não focalizado, e menos ainda entendido. E menos ainda compreendido.

Ele sim a observava. Percebia-a com uma clareza quase absurda. Sabia muito bem que logo a mão começaria a se mover, riscando palavras que nunca pode ler. Palavras que tanto queria ler.

O que não sabia era que na verdade a mão dela não riscava palavra alguma. Que na verdade era sim observado, notado, focalizado e todo o resto. O que não sabia era que ela só continuava lá no chão duro para vê-lo em meio aos devaneios.

-

A garota levou a caneta até o papel e começou a rabiscar o que ele achava serem palavras. Baixou um pouco o rosto, mas manteve as pálpebras bem abertas, analisando a imagem que passava dos olhos para os dedos.

Por mais que a descrevessem até mesmo como escritora, para aquelas folhas em branco preferia sempre as imagens. Tentara com palavras, mas elas pareciam sempre soltas em frases ainda mais soltas. Elas nunca foram capazes de transcrever a realidade desenhada em sua frente.

Eram queridas, as palavras, mas elas não poderiam descrevê-lo. Na verdade nem o desenho podia, mas através dos traços podia prestar atenção nos detalhes e na visão que era apenas dela.

5 comentários:

  1. tentei achar um elogio simples, mas um elogio simples seria injusto.
    Como tudo o mais que eu já li aqui, esse simplesmente é apaixonante, sempre me inspira e eu sempre acho invrivel.

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  2. Como não se indentificar com o primeiro trecho? :3

    Como não amar ler algo tão simples e tão cheio de sentimentos?

    Texto lindo, como sempre, Mah! <3

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  3. "Mas ela queria que deixassem lugar algum e terminassem em algum lugar."

    "Ele sim a observava. Percebia-a com uma clareza quase absurda. Sabia muito bem que logo a mão começaria a se mover, riscando palavras que nunca pode ler. Palavras que tanto queria ler."

    O escritor é um fingidor, finge que nada vive...finge que aquela não é sua dor.
    O escritor é sonhador, pois sonha querer acordar... apenas para mergulhar novamente no poético torpor.

    É maravilhoso saber que podemos nos apaixonar por você a cada nova linha, a cada nova expressão...e saber que você é real, e que está aí...bem ao lado !

    Parabéns por sua linda e profunda Alma.

    V.

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  4. Yay, final surpreendente que ela vai desenhar; Não esperava por essa parte, mas gostei muito. Também gostei do corte que separou o texto em três e deu a sensação de simultâneo, pra seguir pelo acontecimento que veio depois. Delicado, romântico e tímido como a garota, crocantinho também <3

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  5. Huirian, poxa, obrigada. (: Bom saber que tem alguma coisa que eu faço que inspira alguém. haha Thanks, mesmo <3

    Herica, own, que linda você lendo as coisas por aqui *-* brigadão. =D

    Vinicius, pior que é mesmo, né? Não sei se já te falei, mas acho que já escrevi sobre isso por aqui, acho que todo texto tem um pouquinho de verdade, mesmo que transformada e colocada na história de outros personagens, sempre tem um pouco do autor.

    Larissa, crocante é você *-* thanks =D

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