Agradecimentos: À Lisa, por me dar o plot, por ter paciência de me aguentar, por conseguir ler tudo isso e ainda achar bom. Por ter me pedido para ser minha filha de consideração e por ter um papel tão especial na minha vida. Te amo, minha mosntrinha. E vamos fingir que isso é um presente de aniversário atrasado, ok? Pode mandar pra todo mundo agora. <3
Seus dedos acabavam de ajeitar o laço
finalizando a bela embalagem, era o primeiro presente que Liz enviaria, o
primeiro que ninguém escolhera por ela, ninguém arrumara por ela. E apesar de
parecer algo insignificante, para aquela garota, um presente era muitíssimo
especial. Mais do que ela poderia imaginar.
O destino daquele embrulho era para sua
professora de francês, Srta. Russel, uma mulher muito querida por sua única
aluna. Liz colocou o presente na caixa de correio da educadora – junto a um
cartão contendo seu nome escrito caprichadamente – e no momento em que virou as
costas para a casa sentiu um arrepio, olhou para trás instintivamente e
esfregou as mãos nos braços. Respirou fundo. Aparentemente nada estava errado
naquela cena. O vento quente do verão dissipou a sensação e a garota continuou
seu caminho enquanto seus fios acastanhados balançavam com a brisa.
Mas, infelizmente, aquele vento não podia
sussurrar à menina o que aconteceria a seguir.
***
A janela do quarto de Russel batia incansável,
até o momento em que a mulher venceu a preguiça e levantou para fechá-la e
acabar com o barulho irritante. O detalhe que ela não refletiu foi que para
bater, a janela precisava estar aberta, e apenas algo físico e intencional
poderia abri-la. A criatura entrou na casa antes que a proprietária chegasse ao
seu destino, escondeu-se no quarto esperando a senhorita voltar.
Os passos de Russel ecoavam no corredor recoberto
por um piso de madeira, um a um, avisando ao invasor sobre a aproximação. Sua
sombra apareceu na porta, e foi crescendo até que a mulher adentrasse ao
recinto. E então aconteceu.
Uma mão gelada em seus lábios. Um braço
abraçando seu pescoço. De repente. Uma lâmina afiada em seu tórax.
Um grito abafado.
A lâmina novamente, no abdômen. E mais uma
vez. Até que a mulher perdesse suas forças e desmaiasse nos braços do
misterioso. Um desmaio do qual ela nunca mais acordaria.
A criatura então a deixou no chão, saiu da
casa e antes de ir embora levou consigo o caprichado embrulho.
***
Em sua próxima aula de francês, Liz
estranhou a ausência da professora, e só então, após algumas ligações, ficou sabendo
do ocorrido. Uma tristeza desconhecida se instalou em seu coração, era a
primeira vez que a menina perdia algum amigo próximo, e mesmo que Russel fosse
sua educadora, era uma ótima amiga. Mas a vida segue em frente, e embora Liz
nunca fosse esquecer a mulher, a tristeza também não tomaria conta de sua
existência.
As semanas passaram e os ares quentes do
verão se foram junto com suas aulas de francês, agora o outono dominava a
paisagem, as árvores estavam secas e as folhas voavam sem saber qual seriam
seus destinos. Junto com uma dessas folhas, a menina do embrulho caminhava,
seus dedos seguravam uma embalagem um tanto desengonçada, tão antagônica com
aquela anterior. Mas cada estação carrega seu embrulho e seus acontecimentos.
Liz chegou à porta da casa de Lopez
Trevisan, seu querido amigo de escola, parou por um instante, cogitando qual
seria a melhor opção para aquela entrega. Decidiu por fim a deixar o embrulho
lá com o cartão, ele o encontraria quando saísse, não tinha certeza se estava
preparada para olhar em seus olhos novamente – eles haviam brigado e aquele era
o pedido de perdão.
As folhas continuavam dançando levadas pelo
vento, e a garota partiu sentindo-se incomodada com a situação entre ela e o
amigo, e torcendo para que tudo se resolvesse. Mais uma vez seus fios
acastanhados balançavam quando ela voltava para casa, a diferença é que dessa
vez o vento era bem mais forte.
E o que o vento não conseguiu informá-la,
foi o que já havia acontecido naquela residência momentos mais cedo.
***
Lopez segurava sua xícara de cappuccino enquanto seus olhos
caminhavam pelas linhas de um grosso livro, estava sentado em frente à janela
semi-aberta, a brisa balançava a cortina cinza – sua cor preferida – e seus
lábios encostavam no líquido quente entre uma página e outra. A substância
passava por sua garganta e percorria seu sistema digestivo, e em alguns minutos
o livro estava caído ao lado do corpo inerte, a bebida restante manchando suas
folhas.
Diluído entre leite, chocolate e café, havia
um veneno mortal.
O pedido de desculpas de Liz nunca foi
entregue, e nada foi encontrado na porta quando a polícia chegou ao local, o
culpado pelo envenenamento levara mais um embrulho consigo, e mais uma vítima
em sua linha do destino.
***
Nossa protagonista nunca foi uma menina
desprovida de inteligência e sabedoria, e mesmo que sua vida nunca tivesse sido
uma história fantástica de ficção, ou talvez um seriado criminal, ela não
demorou a notar a relação entre as vítimas. Ambas eram conhecidas, e ambas
haviam sido presenteadas por ela.
Enquanto esse pensamento atormentava sua
cabeça, seus olhos encontraram dois embrulhos – que não estavam lá no dia
anterior – abandonados em cima da mesa. Se antes ainda existia alguma dúvida,
agora Liz tinha certeza, os presentes estavam sim relacionados às mortes. Seus
dedos abriram quase desesperados os pacotes, esperando encontrar ali alguma
pista ou explicação para os fatos, que mais pareciam tirados de um daqueles
livros que ela lia incansavelmente.
Esperava encontrar, e encontrou.
Assim como ela, a criatura também gostava
de cartões, contudo, Liz não tinha o costume de assiná-los, ao contrário de R.,
cuja letra estava gravada no papel delicado.
Lembrou-se então do presente que enviara no
dia anterior, à Maia Deméter, sua mãe, que estava em outra cidade por culpa de
uma palestra. Não era nenhuma data especial, mas Liz sentia falta dela e não
resistiu ao encantador pingente branco – como a neve – e translucido, junto a
uma corrente num tom de bronze.
Sua mente ágil e desesperada rapidamente
maquinou um plano para acabar com aquilo, não tão seguro, claro, mas nos
momentos de aflição não existem planos sem pontas soltas e possibilidades de
falha. Alguma coisa precisava ser feita, a menina sempre tivera a sorte ao seu
lado e não acreditava que ela lhe viraria as costas naquele momento.
Escreveu um cartão às pressas, a caligrafia
corrida, brusca. Apenas duas palavras:
Para R.
Correu até o correio e enviou, pedindo que
o tempo estivesse ao seu favor. Que a sorte estivesse ao seu lado. Entretanto,
e infelizmente, a sorte não pode te acompanhar a vida toda. E o tempo não se
prende a ninguém, não toma partido.
***
O relógio cuco batia doze vezes,
meia-noite. A lua brilhava no alto do céu sem estrelas. R. olhava para M.
encarando-a. Um olhar não correspondido, Maia dormia, um sono sem sonhos e sem
preocupações, um sono não tão pesado para uma mulher cansada. Rae era o nome da
criatura, sua aparência era de mulher, seu cabelo escuro como a noite, ela
pegou um travesseiro e sentou-se na cama, deixando seu corpo encostar-se ao de
Deméter, sem se preocupar em acordá-la ou não. Um par de olhos se abriu.
O azul encarou o negro. Assustado.
Rae tinha movimentos rápidos, e num pequeno
instante o travesseiro quebrou o contato visual. Escondeu o rosto dos olhos
azuis. Abafou um grito. O objeto se manteve no lugar por alguns segundos – os
quais pareciam incontáveis dependendo do ponto de vista –, apenas o suficiente
para que uma vida abandonasse um corpo já pálido.
Cumprindo seu ritual, a criatura seguiu
calma até a frente da casa para pegar mais um embrulho. O que ela não sabia era
que seu destino já estava traçado, sua maldição era cumprir com a maldição da
menina, duas almas interligadas. Não havia como escapar, afinal, ela não era um
mero ser humano, todo poder tinha um custo, e aquele era o seu.
Antes mesmo de ler o cartão o corpo de Rae
já percebia o que aconteceria, seu coração batia forte e acelerado, sua mãos
pareciam queimar. A visão escurecia enquanto seus olhos pareciam cada vez mais
secos, até que as pálpebras começaram a grudar umas nas outras, tornando o ato
de piscar uma tarefa árdua e dolorosa. As últimas palavras que conseguiu
enxergar foram aquelas escritas por Liz.
Aquela criatura não era um ser humano,
dessa forma, seu destino não poderia se modificar, sua vida tinha apenas um sentido
que já estava cumprido, aquele era o fim dela. Seu corpo definhou enquanto ela
sentia as mortes que carregava consigo, a maldição da menina se desfez no
momento em que a criatura caiu.
***
A chuva caia como o clichê que era naquela
situação. Algumas gotas rebatiam no guarda-chuva preto, o mesmo tom que a
menina Liz vestia naquele dia. Em suas mãos estavam algumas flores em tons de
azul, uma espécie não muito comum, mas que eram as preferidas de sua mãe. Seus
olhos estavam limpos, sem maquiagem, porém vermelhos, devido às lágrimas que
ainda corriam por sua face.
Ela estava sozinha.
O enterro já havia terminado. As poucas
pessoas presentes já haviam voltado para suas próprias rotinas e agora apenas
Liz continuava lá, em pé olhando para a lápide com o nome e a foto de Maia
Deméter. A garota sabia – simplesmente por saber – que a maldição dos presentes
havia terminado e que podia enviá-los livremente agora, mas o que isso custara
ela nunca poderia esquecer.
Ajoelhou-se depois de alguns minutos, deixou
a flor junto à foto da mãe e tirou de sua bolsinha preta um último embrulho.
Era azul, como tinha de ser, não havia outra cor para simbolizar aquela mulher,
apenas o azul. O que estava dentro dele era algo que só Liz e Maia tinham o
direito de saber, era um momento apenas das duas, e ninguém mais deveria se
intrometer naquela cena. O pacote então foi colocado cuidadosamente ao lado da
flor e depois de mais alguns minutos Liz finalmente levantou-se e saiu daquele
cemitério.
Na lápide jazia um conjunto composto por
flores, lágrimas e embrulho.