Este texto foi escrito em Maio de 2011, para o desafio Imagens, no qual foi classificado em 2° lugar.
Agradecimentos: Nossa,
nessa foram várias as pessoas que me deram opinião, Lisa, Bis, Thai e Dora. E
mais ainda a Thai e Dora que me ajudaram mais do que com opiniões. Obrigada.
Olhando para uma fotografia presa
em um porta-retrato, uma imagem já antiga, é impossível não me recordar de uma
história.
Mas antes de começar a
contar-lhes essa história, a qual foi o episódio mais importante da minha vida,
devo detalhar alguns fatos.
Emmanuelle¹ era uma garota doce e
gentil, sua pele era branca, seus cabelos ruivos e ondulados, todos a chamavam
de anjo. Desde criança meu sonho sempre fora casar-me com ela, eu era o único
que realmente amava aquela garota, o único que realmente me importava.
Ela cresceu e se tornou ainda
mais bela, uma das mulheres mais graciosa e desejada de Paris, eu também
cresci, mas continuei o mesmo apaixonado de sempre. E o mesmo covarde de
sempre, só possuía coragem para observá-la de longe.
O pai de minha Emma, a cada dia
mais pensava em usar a beleza da filha para promover a si mesmo, havia um Duque
francês, seu nome era Marcus, que morava na cidade e naquela época, em que a
grande maioria dos casamentos ainda eram arranjados pelos pais, o Duque era uma
ótima opção para os planos dele.
Marcus era jovem, seu pai era
também um banqueiro, a família tinha muitas posses e por mais que Emmanuelle
fosse pobre, sua beleza estava acima do dinheiro. Assim sendo, não foi difícil para
o pai de meu anjo convencer o rico senhor a casar seu filho com ela.
Fatos explicados, mas devo
desculpar-me pela péssima qualidade em que isso foi feito, ocorre que as coisas
aconteceram há muito tempo e minha memória nunca foi algo muito confiável. Mas
permita-me continuar.
Isso tudo foi apenas para chegar
numa noite, em que eu, não queira saber o porquê, já expliquei que minha
memória é falha. Mas eu estava andando por uma rua quando escutei alguns
murmúrios. Eu reconheceria aquele timbre em qualquer situação, a voz de minha
Emmanuelle era inconfundível, pelo menos para mim.
Meu instinto protetor
instantaneamente foi ativado, prestei atenção na direção de onde vinha o som,
andei aos poucos e sem ruídos até lá, mas pouco antes de chegar os sussurros
haviam parado.
E foi naquela noite, acompanhado
por alguns outros olhares, que presenciei a cena mais triste de minha vida.
Os lábios tão preciosos de
Emmanuelle encostavam-se aos de Marcus.
Ela era graciosa, ele era bruto.
Ela era bela, e eu feio. Ela era elegante, e ele também. Então quando pensar
naquele velho clichê, os opostos se atraem, pense também que isso só funciona
completamente na física. A realidade necessita não só de opostos, mas também de
semelhanças. E no meu caso, eu era apenas o oposto.
O beijo no início era forçado,
mas aos poucos ele foi se tornando mais leve, sendo mais correspondido e quando
se separaram, o anjo parecia feliz, o Duque realizado.
Mas o brilho nos olhos de
Emmanuelle sumiu quando percebeu o burburinho ao seu redor, não havia tantas
pessoas assim, cerca de meia dúzia, eu estava mais próximo e mais escondido,
então pude ouvir as palavras trocadas entre eles.
- Podemos calar a boca de todos
eles. – o Duque murmurou próximo ao ouvido dela.
- Como? – ela perguntou curiosa.
- Venha. – respondeu puxando a
mão da garota.
E assim eles foram, de mãos
dadas, até a casa de Emma, mal sabia ela que aquilo tudo já estava planejado.
Chegando lá, o pai dela fingiu
surpresa ao vê-los juntos, Marcus contou que gostava da filha dele, que haviam
se beijado, mas que estava disposto a casar-se com Emmanuelle. A garota ficou
surpresa, mas era uma surpresa feliz, ela mantinha alguns sentimentos por ele, mas
não sabia se estava preparada para o casamento.
Mas a união foi aceita, é claro,
era tudo que o pai do anjo queria; pertencer a uma família rica e ver sua filha
com o título de Duquesa. E foi assim que minha amada se tornou noiva.
Porém, as coisas nem sempre saem
perfeitamente como o planejado, pois a manipulação não é tão simples quanto
parece e mesmo que o pai dela dominasse a técnica, não é possível prever todas
as atitudes humanas.
Assim sendo, não precisou de um
intervalo muito grande para que o destino entrasse no jogo. Era um final de
tarde quando Emmanuelle, caminhando devagar devido ao cansaço, ouviu a voz de
Marcus dentro de sua casa, acompanhada pela resposta de seu pai.
- Eu fiz o que você mandou, agora
quero o prometido. – cobrou.
- Tenha calma, quando estiverem
casados terá tudo. – o pai dela respondeu.
- Eu a beijei em público, podendo
manchar minha imagem, então não venha tentar me manipular também, já faz isso
demais com a sua filha. – pontuou o Duque um tanto irritado.
Emmanuelle não continuou lá para
escutar o resto, pude ouvir mais alguma coisa sobre fraudes nos documentos do
banco, mas logo também perdi o assunto para ir atrás do anjo, seus olhos
estavam cheios de lágrimas.
Ela parou numa praça, que devido
ao horário não estava movimentada, sentou num banco, fiquei próximo observando,
ela soltou algumas palavras para si mesma.
- Se eles acham que vou ser uma
marionete estão muito enganados. – havia raiva em sua voz.
Não poderia resistir mais a
distância, vendo as lágrimas preenchendo o rosto do anjo. Fui até ela, parando
em frente ao banco onde estava sentada.
- Com licença, doce senhorita,
permita-me a honra de sentar-me ao seu lado. – pedi educadamente.
Emmanuelle não respondeu, apenas
puxou a saia de seu vestido para mais próximo ao corpo, liberando o espaço para
mim enquanto mantinha o rosto baixo. Mas eu ajoelhei-me aos seus pés, coloquei
a mão em seu rosto erguendo-o até encontrar seu olhar.
- Então não se permita ser usada
como tal. – pontuei tranquilamente. – Como uma marionete.
- Não sei o que fazer. –
desabafou.
Ela estava totalmente vulnerável,
implorando por ajuda e eu era o único capaz de ajudá-la, o único que via o que
ela precisava, ou que pensava ver. E minhas atitudes foram erradas, seguidas
por palavras erradas.
Puxei sua face para mim de forma
rápida, encostando meus lábios aos dela, o anjo ficou surpreso e voltou o corpo
para trás, afastando meu rosto com as mãos delicadas.
- Tome as rédeas de sua vida,
Emmanuelle.
Ela pestanejou por alguns instantes,
mas logo pareceu voltar à realidade, levantou desviando de mim e foi embora sem
dizer uma palavra, levando consigo apenas uma expressão confusa e triste.
Continuei ali, preso ao chão,
como que paralisado pelos fatos. Eu era um covarde, mas aquela atitude fora
realizada involuntariamente e a reação do anjo deixou-me ainda mais perplexo.
E os acontecimentos a seguir só
podem ser explicados – se é que exista alguma explicação lógica – por
Emmanuelle. No raiar do dia seguinte, meu olhar percebeu uma jovem moça, que
mais parecia uma meretriz, sua roupa era preta com fitas vermelhas, apertada,
marcando o corpo da jovem, a maquiagem pesada, vermelha, combinando com o
cabelo.
O nome da jovem? Acho que já deve
ter associado. Emmanuelle.
Uma garota que atravessava o véu
imaginário que existia entre a inocência e a perversidade. A pureza se esvaía e
o que tomava seu lugar era o contrário.
A garota entrou então em sua
carruagem. O anjo estava se transformando em pecador, e nesse processo, nunca
existiu caminho de volta. Muito menos um lugar para mim.
E foi aquela mulher, a pecadora,
que consegui fotografar, aquela imagem presa no porta-retrato que continuava em
cima da cômoda mesmo depois de tantos anos, que prendia meu olhar, da qual não
conseguia desviar a atenção. A única forma de não esquecer, por culpa do tempo
e da minha memória fraca, o rosto do meu eterno anjo.
Fechando a cortina da carruagem,
nossos olhares se cruzaram pela última vez.
¹ O nome Emmanuelle significa
“Deus está com você”, o que foi pensado propositalmente para causar um clima um
tanto quanto irônico devido ao final da história.
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