domingo, 8 de julho de 2012

O Último Olhar



Este texto foi escrito em Maio de 2011, para o desafio Imagens, no qual foi classificado em 2° lugar.
 
Agradecimentos: Nossa, nessa foram várias as pessoas que me deram opinião, Lisa, Bis, Thai e Dora. E mais ainda a Thai e Dora que me ajudaram mais do que com opiniões. Obrigada.



Olhando para uma fotografia presa em um porta-retrato, uma imagem já antiga, é impossível não me recordar de uma história.

Mas antes de começar a contar-lhes essa história, a qual foi o episódio mais importante da minha vida, devo detalhar alguns fatos.

Emmanuelle¹ era uma garota doce e gentil, sua pele era branca, seus cabelos ruivos e ondulados, todos a chamavam de anjo. Desde criança meu sonho sempre fora casar-me com ela, eu era o único que realmente amava aquela garota, o único que realmente me importava.

Ela cresceu e se tornou ainda mais bela, uma das mulheres mais graciosa e desejada de Paris, eu também cresci, mas continuei o mesmo apaixonado de sempre. E o mesmo covarde de sempre, só possuía coragem para observá-la de longe.

O pai de minha Emma, a cada dia mais pensava em usar a beleza da filha para promover a si mesmo, havia um Duque francês, seu nome era Marcus, que morava na cidade e naquela época, em que a grande maioria dos casamentos ainda eram arranjados pelos pais, o Duque era uma ótima opção para os planos dele.

Marcus era jovem, seu pai era também um banqueiro, a família tinha muitas posses e por mais que Emmanuelle fosse pobre, sua beleza estava acima do dinheiro. Assim sendo, não foi difícil para o pai de meu anjo convencer o rico senhor a casar seu filho com ela.

Fatos explicados, mas devo desculpar-me pela péssima qualidade em que isso foi feito, ocorre que as coisas aconteceram há muito tempo e minha memória nunca foi algo muito confiável. Mas permita-me continuar.

Isso tudo foi apenas para chegar numa noite, em que eu, não queira saber o porquê, já expliquei que minha memória é falha. Mas eu estava andando por uma rua quando escutei alguns murmúrios. Eu reconheceria aquele timbre em qualquer situação, a voz de minha Emmanuelle era inconfundível, pelo menos para mim.

Meu instinto protetor instantaneamente foi ativado, prestei atenção na direção de onde vinha o som, andei aos poucos e sem ruídos até lá, mas pouco antes de chegar os sussurros haviam parado.

E foi naquela noite, acompanhado por alguns outros olhares, que presenciei a cena mais triste de minha vida.

Os lábios tão preciosos de Emmanuelle encostavam-se aos de Marcus.

Ela era graciosa, ele era bruto. Ela era bela, e eu feio. Ela era elegante, e ele também. Então quando pensar naquele velho clichê, os opostos se atraem, pense também que isso só funciona completamente na física. A realidade necessita não só de opostos, mas também de semelhanças. E no meu caso, eu era apenas o oposto.

O beijo no início era forçado, mas aos poucos ele foi se tornando mais leve, sendo mais correspondido e quando se separaram, o anjo parecia feliz, o Duque realizado.

Mas o brilho nos olhos de Emmanuelle sumiu quando percebeu o burburinho ao seu redor, não havia tantas pessoas assim, cerca de meia dúzia, eu estava mais próximo e mais escondido, então pude ouvir as palavras trocadas entre eles.

- Podemos calar a boca de todos eles. – o Duque murmurou próximo ao ouvido dela.
- Como? – ela perguntou curiosa.
- Venha. – respondeu puxando a mão da garota.

E assim eles foram, de mãos dadas, até a casa de Emma, mal sabia ela que aquilo tudo já estava planejado.

Chegando lá, o pai dela fingiu surpresa ao vê-los juntos, Marcus contou que gostava da filha dele, que haviam se beijado, mas que estava disposto a casar-se com Emmanuelle. A garota ficou surpresa, mas era uma surpresa feliz, ela mantinha alguns sentimentos por ele, mas não sabia se estava preparada para o casamento.

Mas a união foi aceita, é claro, era tudo que o pai do anjo queria; pertencer a uma família rica e ver sua filha com o título de Duquesa. E foi assim que minha amada se tornou noiva.

Porém, as coisas nem sempre saem perfeitamente como o planejado, pois a manipulação não é tão simples quanto parece e mesmo que o pai dela dominasse a técnica, não é possível prever todas as atitudes humanas.

Assim sendo, não precisou de um intervalo muito grande para que o destino entrasse no jogo. Era um final de tarde quando Emmanuelle, caminhando devagar devido ao cansaço, ouviu a voz de Marcus dentro de sua casa, acompanhada pela resposta de seu pai.

- Eu fiz o que você mandou, agora quero o prometido. – cobrou.
- Tenha calma, quando estiverem casados terá tudo. – o pai dela respondeu.
- Eu a beijei em público, podendo manchar minha imagem, então não venha tentar me manipular também, já faz isso demais com a sua filha. – pontuou o Duque um tanto irritado.

Emmanuelle não continuou lá para escutar o resto, pude ouvir mais alguma coisa sobre fraudes nos documentos do banco, mas logo também perdi o assunto para ir atrás do anjo, seus olhos estavam cheios de lágrimas.

Ela parou numa praça, que devido ao horário não estava movimentada, sentou num banco, fiquei próximo observando, ela soltou algumas palavras para si mesma.

- Se eles acham que vou ser uma marionete estão muito enganados. – havia raiva em sua voz.

Não poderia resistir mais a distância, vendo as lágrimas preenchendo o rosto do anjo. Fui até ela, parando em frente ao banco onde estava sentada.

- Com licença, doce senhorita, permita-me a honra de sentar-me ao seu lado. – pedi educadamente.

Emmanuelle não respondeu, apenas puxou a saia de seu vestido para mais próximo ao corpo, liberando o espaço para mim enquanto mantinha o rosto baixo. Mas eu ajoelhei-me aos seus pés, coloquei a mão em seu rosto erguendo-o até encontrar seu olhar.

- Então não se permita ser usada como tal. – pontuei tranquilamente. – Como uma marionete.
- Não sei o que fazer. – desabafou.

Ela estava totalmente vulnerável, implorando por ajuda e eu era o único capaz de ajudá-la, o único que via o que ela precisava, ou que pensava ver. E minhas atitudes foram erradas, seguidas por palavras erradas.

Puxei sua face para mim de forma rápida, encostando meus lábios aos dela, o anjo ficou surpreso e voltou o corpo para trás, afastando meu rosto com as mãos delicadas.

- Tome as rédeas de sua vida, Emmanuelle.

Ela pestanejou por alguns instantes, mas logo pareceu voltar à realidade, levantou desviando de mim e foi embora sem dizer uma palavra, levando consigo apenas uma expressão confusa e triste.

Continuei ali, preso ao chão, como que paralisado pelos fatos. Eu era um covarde, mas aquela atitude fora realizada involuntariamente e a reação do anjo deixou-me ainda mais perplexo.

E os acontecimentos a seguir só podem ser explicados – se é que exista alguma explicação lógica – por Emmanuelle. No raiar do dia seguinte, meu olhar percebeu uma jovem moça, que mais parecia uma meretriz, sua roupa era preta com fitas vermelhas, apertada, marcando o corpo da jovem, a maquiagem pesada, vermelha, combinando com o cabelo.

O nome da jovem? Acho que já deve ter associado. Emmanuelle.

Uma garota que atravessava o véu imaginário que existia entre a inocência e a perversidade. A pureza se esvaía e o que tomava seu lugar era o contrário.

A garota entrou então em sua carruagem. O anjo estava se transformando em pecador, e nesse processo, nunca existiu caminho de volta. Muito menos um lugar para mim.

E foi aquela mulher, a pecadora, que consegui fotografar, aquela imagem presa no porta-retrato que continuava em cima da cômoda mesmo depois de tantos anos, que prendia meu olhar, da qual não conseguia desviar a atenção. A única forma de não esquecer, por culpa do tempo e da minha memória fraca, o rosto do meu eterno anjo.

Fechando a cortina da carruagem, nossos olhares se cruzaram pela última vez.
 

¹ O nome Emmanuelle significa “Deus está com você”, o que foi pensado propositalmente para causar um clima um tanto quanto irônico devido ao final da história.

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