domingo, 8 de julho de 2012

Os Presentes de Liz



Agradecimentos: À Lisa, por me dar o plot, por ter paciência de me aguentar, por conseguir ler tudo isso e ainda achar bom. Por ter me pedido para ser minha filha de consideração e por ter um papel tão especial na minha vida. Te amo, minha mosntrinha. E vamos fingir que isso é um presente de aniversário atrasado, ok? Pode mandar pra todo mundo agora. <3



Seus dedos acabavam de ajeitar o laço finalizando a bela embalagem, era o primeiro presente que Liz enviaria, o primeiro que ninguém escolhera por ela, ninguém arrumara por ela. E apesar de parecer algo insignificante, para aquela garota, um presente era muitíssimo especial. Mais do que ela poderia imaginar.
O destino daquele embrulho era para sua professora de francês, Srta. Russel, uma mulher muito querida por sua única aluna. Liz colocou o presente na caixa de correio da educadora – junto a um cartão contendo seu nome escrito caprichadamente – e no momento em que virou as costas para a casa sentiu um arrepio, olhou para trás instintivamente e esfregou as mãos nos braços. Respirou fundo. Aparentemente nada estava errado naquela cena. O vento quente do verão dissipou a sensação e a garota continuou seu caminho enquanto seus fios acastanhados balançavam com a brisa.
Mas, infelizmente, aquele vento não podia sussurrar à menina o que aconteceria a seguir.

***

A janela do quarto de Russel batia incansável, até o momento em que a mulher venceu a preguiça e levantou para fechá-la e acabar com o barulho irritante. O detalhe que ela não refletiu foi que para bater, a janela precisava estar aberta, e apenas algo físico e intencional poderia abri-la. A criatura entrou na casa antes que a proprietária chegasse ao seu destino, escondeu-se no quarto esperando a senhorita voltar.
Os passos de Russel ecoavam no corredor recoberto por um piso de madeira, um a um, avisando ao invasor sobre a aproximação. Sua sombra apareceu na porta, e foi crescendo até que a mulher adentrasse ao recinto. E então aconteceu.
Uma mão gelada em seus lábios. Um braço abraçando seu pescoço. De repente. Uma lâmina afiada em seu tórax.
Um grito abafado.
A lâmina novamente, no abdômen. E mais uma vez. Até que a mulher perdesse suas forças e desmaiasse nos braços do misterioso. Um desmaio do qual ela nunca mais acordaria.
A criatura então a deixou no chão, saiu da casa e antes de ir embora levou consigo o caprichado embrulho.

***

Em sua próxima aula de francês, Liz estranhou a ausência da professora, e só então, após algumas ligações, ficou sabendo do ocorrido. Uma tristeza desconhecida se instalou em seu coração, era a primeira vez que a menina perdia algum amigo próximo, e mesmo que Russel fosse sua educadora, era uma ótima amiga. Mas a vida segue em frente, e embora Liz nunca fosse esquecer a mulher, a tristeza também não tomaria conta de sua existência.
As semanas passaram e os ares quentes do verão se foram junto com suas aulas de francês, agora o outono dominava a paisagem, as árvores estavam secas e as folhas voavam sem saber qual seriam seus destinos. Junto com uma dessas folhas, a menina do embrulho caminhava, seus dedos seguravam uma embalagem um tanto desengonçada, tão antagônica com aquela anterior. Mas cada estação carrega seu embrulho e seus acontecimentos.
Liz chegou à porta da casa de Lopez Trevisan, seu querido amigo de escola, parou por um instante, cogitando qual seria a melhor opção para aquela entrega. Decidiu por fim a deixar o embrulho lá com o cartão, ele o encontraria quando saísse, não tinha certeza se estava preparada para olhar em seus olhos novamente – eles haviam brigado e aquele era o pedido de perdão.
As folhas continuavam dançando levadas pelo vento, e a garota partiu sentindo-se incomodada com a situação entre ela e o amigo, e torcendo para que tudo se resolvesse. Mais uma vez seus fios acastanhados balançavam quando ela voltava para casa, a diferença é que dessa vez o vento era bem mais forte.
E o que o vento não conseguiu informá-la, foi o que já havia acontecido naquela residência momentos mais cedo.

***

Lopez segurava sua xícara de cappuccino enquanto seus olhos caminhavam pelas linhas de um grosso livro, estava sentado em frente à janela semi-aberta, a brisa balançava a cortina cinza – sua cor preferida – e seus lábios encostavam no líquido quente entre uma página e outra. A substância passava por sua garganta e percorria seu sistema digestivo, e em alguns minutos o livro estava caído ao lado do corpo inerte, a bebida restante manchando suas folhas.
Diluído entre leite, chocolate e café, havia um veneno mortal.
O pedido de desculpas de Liz nunca foi entregue, e nada foi encontrado na porta quando a polícia chegou ao local, o culpado pelo envenenamento levara mais um embrulho consigo, e mais uma vítima em sua linha do destino.

***

Nossa protagonista nunca foi uma menina desprovida de inteligência e sabedoria, e mesmo que sua vida nunca tivesse sido uma história fantástica de ficção, ou talvez um seriado criminal, ela não demorou a notar a relação entre as vítimas. Ambas eram conhecidas, e ambas haviam sido presenteadas por ela.
Enquanto esse pensamento atormentava sua cabeça, seus olhos encontraram dois embrulhos – que não estavam lá no dia anterior – abandonados em cima da mesa. Se antes ainda existia alguma dúvida, agora Liz tinha certeza, os presentes estavam sim relacionados às mortes. Seus dedos abriram quase desesperados os pacotes, esperando encontrar ali alguma pista ou explicação para os fatos, que mais pareciam tirados de um daqueles livros que ela lia incansavelmente.
Esperava encontrar, e encontrou.
Assim como ela, a criatura também gostava de cartões, contudo, Liz não tinha o costume de assiná-los, ao contrário de R., cuja letra estava gravada no papel delicado.
Lembrou-se então do presente que enviara no dia anterior, à Maia Deméter, sua mãe, que estava em outra cidade por culpa de uma palestra. Não era nenhuma data especial, mas Liz sentia falta dela e não resistiu ao encantador pingente branco – como a neve – e translucido, junto a uma corrente num tom de bronze.
Sua mente ágil e desesperada rapidamente maquinou um plano para acabar com aquilo, não tão seguro, claro, mas nos momentos de aflição não existem planos sem pontas soltas e possibilidades de falha. Alguma coisa precisava ser feita, a menina sempre tivera a sorte ao seu lado e não acreditava que ela lhe viraria as costas naquele momento.
Escreveu um cartão às pressas, a caligrafia corrida, brusca. Apenas duas palavras:

Para R.

Correu até o correio e enviou, pedindo que o tempo estivesse ao seu favor. Que a sorte estivesse ao seu lado. Entretanto, e infelizmente, a sorte não pode te acompanhar a vida toda. E o tempo não se prende a ninguém, não toma partido.

***

O relógio cuco batia doze vezes, meia-noite. A lua brilhava no alto do céu sem estrelas. R. olhava para M. encarando-a. Um olhar não correspondido, Maia dormia, um sono sem sonhos e sem preocupações, um sono não tão pesado para uma mulher cansada. Rae era o nome da criatura, sua aparência era de mulher, seu cabelo escuro como a noite, ela pegou um travesseiro e sentou-se na cama, deixando seu corpo encostar-se ao de Deméter, sem se preocupar em acordá-la ou não. Um par de olhos se abriu.
O azul encarou o negro. Assustado.
Rae tinha movimentos rápidos, e num pequeno instante o travesseiro quebrou o contato visual. Escondeu o rosto dos olhos azuis. Abafou um grito. O objeto se manteve no lugar por alguns segundos – os quais pareciam incontáveis dependendo do ponto de vista –, apenas o suficiente para que uma vida abandonasse um corpo já pálido.
Cumprindo seu ritual, a criatura seguiu calma até a frente da casa para pegar mais um embrulho. O que ela não sabia era que seu destino já estava traçado, sua maldição era cumprir com a maldição da menina, duas almas interligadas. Não havia como escapar, afinal, ela não era um mero ser humano, todo poder tinha um custo, e aquele era o seu.
Antes mesmo de ler o cartão o corpo de Rae já percebia o que aconteceria, seu coração batia forte e acelerado, sua mãos pareciam queimar. A visão escurecia enquanto seus olhos pareciam cada vez mais secos, até que as pálpebras começaram a grudar umas nas outras, tornando o ato de piscar uma tarefa árdua e dolorosa. As últimas palavras que conseguiu enxergar foram aquelas escritas por Liz.
Aquela criatura não era um ser humano, dessa forma, seu destino não poderia se modificar, sua vida tinha apenas um sentido que já estava cumprido, aquele era o fim dela. Seu corpo definhou enquanto ela sentia as mortes que carregava consigo, a maldição da menina se desfez no momento em que a criatura caiu.

***

A chuva caia como o clichê que era naquela situação. Algumas gotas rebatiam no guarda-chuva preto, o mesmo tom que a menina Liz vestia naquele dia. Em suas mãos estavam algumas flores em tons de azul, uma espécie não muito comum, mas que eram as preferidas de sua mãe. Seus olhos estavam limpos, sem maquiagem, porém vermelhos, devido às lágrimas que ainda corriam por sua face.
Ela estava sozinha.
O enterro já havia terminado. As poucas pessoas presentes já haviam voltado para suas próprias rotinas e agora apenas Liz continuava lá, em pé olhando para a lápide com o nome e a foto de Maia Deméter. A garota sabia – simplesmente por saber – que a maldição dos presentes havia terminado e que podia enviá-los livremente agora, mas o que isso custara ela nunca poderia esquecer.
Ajoelhou-se depois de alguns minutos, deixou a flor junto à foto da mãe e tirou de sua bolsinha preta um último embrulho. Era azul, como tinha de ser, não havia outra cor para simbolizar aquela mulher, apenas o azul. O que estava dentro dele era algo que só Liz e Maia tinham o direito de saber, era um momento apenas das duas, e ninguém mais deveria se intrometer naquela cena. O pacote então foi colocado cuidadosamente ao lado da flor e depois de mais alguns minutos Liz finalmente levantou-se e saiu daquele cemitério.
Na lápide jazia um conjunto composto por flores, lágrimas e embrulho.

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