domingo, 8 de julho de 2012

Platônico



Este texto foi escrito em Março de 2011, para o desafio Amor e Violência, no qual foi classificado em 2° lugar. O trecho em italico no final, o mesmo que está na imagem, é de Oswald de Andrade.

Agradecimentos: Queria agradecer muito, mais do que as palavras podem expressar, a Dora, minha querida amiga campineira (morram de inveja), sem ela não conseguiria terminar esse texto. E também a Anna, que não me deixou desistir. Obrigada.



Abri os olhos, estava numa sala pequena, escura, e silenciosa, um cheiro fétido invadia minhas narinas, sentia meus pulsos amarrados, o nó machucando minha pele.

Mas tudo que conseguia pensar era nele, naquele homem puro e meigo que já não via há muito tempo, naquele homem que na verdade não existia, que na verdade era apenas uma mentira, apenas um teatro.

O amor pode ser pureza
O amor pode ser veneno
Sem certo
Sem errado

Eu pude vê-lo sentado no outro canto da sala, somente como um vulto, ou talvez, mais como uma sombra, a minha sombra, que estaria sempre ao meu encalço, não importando o que eu fizesse.

Desde o momento em que senti o cheiro de éter¹ e uma mão apertando o tecido úmido contra meu rosto, sabia que só poderia ser Cole², sabia que ninguém mais teria motivos para tal, e o pior de tudo, sabia que sua fixação não acabaria por ali.

O amor pode ser real
O amor pode ser ilusório
Sem tempestades
Sem calmarias

Meus pensamentos se perderam quando ouvi seus passos, e antes que pudesse pensar no que fazer, ele já estava ao meu lado, seus dedos seguraram meu rosto fazendo-me olhar para ele.

– Eu lhe avisei querida, que antes de ser de qualquer um, seria apenas minha – sua voz possuía um tom ameaçador, como era esperado.
– Você desperdiçou sua oportunidade, sabe disso – retruquei.

Por apenas um instante seus dedos soltaram meu rosto, e ao perceber o motivo, encolhi-me como instinto, por medo, e sua mão acertou meu rosto com força, fazendo um gemido de dor escapar por meus lábios, e provavelmente, causando prazer no agressor.

– Quieta, ainda não dei permissão para que fale.

O amor pode ser pacífico
O amor pode ser violento
Sem prisão
Sem liberdade

Calei-me. Ainda não conseguia entender como pude ser tão ingênua, como pude acreditar em toda aquela conversa digna de um príncipe encantado, como pude me deixar levar por suas palavras em tão pouco tempo.

O que mais me doía não era o rosto, nem os pulsos, mas sim o peito, o coração, no fundo, é claro que, talvez, eu ainda possuísse algum sentimento por aquele homem, que na verdade era um monstro, um psicopata.

– Eu te trouxe aqui para dar-lhe a chance de voltar atrás, querida.

Segui sua mão com o olhar, indo ao bolso do casaco escuro que usava, e ao sair de lá, trazer consigo uma caixinha aveludada, que eu já tinha visto em suas mãos.

– Sabe muito bem o que é isso, não sabe?

Confirmei com a cabeça, dentro daquela pequena caixa, certamente se encontrava a aliança que estava me oferecendo quando meu pai chegou me contando a verdadeira história de Cole, um assassino, um golpista, um psicopata.

O amor pode ser honesto
O amor pode ser indigno
Sem traições
Sem promessas

– Vou perguntar da forma correta, como não fui capaz de fazer naquela tarde.

Fechei meus olhos, respirei fundo, se era isso que ele queria, não haveria saída, nunca aceitaria me casar com aquele mentiroso, e conhecendo, agora, seu passado, supunha que minha única saída seria a morte.

– Olhe para mim – ordenou calmo.

Abri os olhos, e pacientemente, olhei para os dele, esperando minha sentença.

– Aceita se casar comigo?
– Claro que não, você deveria saber qual é a resposta, depois de todas as mentiras que inventou.
– Se não for minha, não será de mais ninguém.

O amor pode ser magnífico
O amor pode ser assustador
Sem mentiras
Sem verdades

– A morte seria uma companhia melhor que a sua – respondi com frieza.

Percebi seus olhos se fechando, com o reflexo de uma pequena lágrima, e em seguida, eles se abrindo, apenas com o ódio.

– Se é essa sua palavra final.

Ele puxou minha mão de forma rude, fazendo-me gritar ao sentir a corda raspando contra minha pele, e contra minha vontade, colocou o anel em meu dedo.

O amor pode ser gentil
O amor pode ser rancoroso
Sem morte
Sem vida

Senti sua mão puxando meu cabelo agressivamente, levando meu rosto a quase encostar ao seu. Sua respiração, antes calma, agora era quase hostil, gritei, mas minha voz foi interrompida por um beijo forçado.

– Mas morrerá como minha. Para que todos saibam, que foi apenas minha – pontuou ao libertar meus lábios.

Depois disso, perdi a conta de quantas vezes sua mão tocou minha pele, de quantas vezes o sangue escorreu por sua culpa, de quantas vezes meus músculos se enrijeceram, de como tive medo.

E naquele momento, tive certeza, do que no fundo já sabia, aquele era meu fim.

Como poucos, eu conheci as lutas e as tempestades. Como poucos, eu amei a palavra liberdade e por ela briguei.

Mas, infelizmente, no meu caso, não havia como encontrá-la.


¹ Quando se coloca éter num tecido e cheira por aproximadamente 15 segundos, a pessoa que inalou desmaia. É bem comum ver cenas assim em filmes ou novelas.
² Segundo o Google minhas pesquisas, Cole significa negro, carvão, pedra.

Um comentário:

  1. A-M-E-I

    Nao sabia que vc escrevia coisas tao... empolgantes como essas, divino mara
    Simplismente magnifico.

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